O  ESPELHO MÁGICO

 

 

Existia outrora, na famosa cidade de Bagdá, uma grande mesquita, muito rica, cujas paredes eram feitas de mármore branco e azul.  

No interior desse majestoso templo havia duas colunas de pedra cinzenta; na primeira um sábio fez gravar, com letras de ouro, a seguinte legenda:

 

A vaidade esmaga em nossos corações os bons sentimentos e faz com que esqueçamos os nossos defeitos.

 

Na outra, que era de ferro podia ler-se em caracteres prateados este singular ensinamento:

 

“Evitemos a inveja dos maus; a inveja é como víbora, cheia de veneno, que se aproxima de nós.”

 

Essas duas curiosas inscrições, ó irmão dos árabes ! fazem-me recordar uma lenda intitulada “O espelho mágico”, que foi narrada vinte mil e quinhentas vezes pelos mais célebres e mais hábeis contadores de histórias de Bagdá!

 

Há muitos séculos vivia em Bagdá um velho mendigo que se chamava Nagazã.  Todos os dias Nagazã arrastava-se humilde pelos pátios das mesquitas ou junto à porta do mercado, coberto de andrajos, implorando o auxílio da caridade pública.

 

Certa vez, ao regressar para a choupana em que vivia, achou Nagazã, no meio da estrada, um espelho encantado.  Tinha esse espelho a singular propriedade de aformosear o rosto de qualquer pessoa, por mais feia e desajeitada que fosse.

 

Aquele que se fitasse no tal espelho via a sua imagem embelezada, como se um artista genial tivesse retocado todos os traços de sua fisionomia tornando-a perfeita e impecável.

 

Nagazã, o mendigo, era um homem inteligente e percebeu, desde logo, que o espelho mágico, usado com habilidade, poderia transformar-se numa prodigiosa fonte de renda.  Desse dia em diante Nagazã passou a evitar, por prudência, a companhia de outros mendicantes e só esmolava com o auxílio do maravilhoso espelho. Quando um transeunte se aproximava, ele apresentava a face do rutilante espelho e dizia: - Observai, senhor, como é harmonioso e perfeito o semblante que Alá, o Altíssimo, vos concedeu e auxiliai com um pequeno óbolo aquele que teve a cruel desventura de nascer pobre, feio e estúpido!

 

Quando uma mulher passava, Nagazã dirigia-lhe servilmente as seguintes palavras: - Levantai, senhora, por um momento, o vosso véu e contempali os incomparáveis encantos que Alá, Onipotente, modelou em vosso rosto delicioso e concedei uma piedosa esmola ao mais feio dos mortais.

 

Quem poderia ficar surdo e indiferente a tão lisonjeiras palavras ?  Quem deixaria de lançar um olhar, embora rápido, à superfície polida do espelho encantado!

 

A vaidade oculta-se em todos os corações e aqueles que eram iludidod pelo astucioso mendicante davam-lhe muitas e valiosas moedas. E mal podiam imaginar que pagavam, apenas, a ilusão momentânea que o espelho mágico lhes proporcionava.

 

Um dia, Nagazã adoeceu e não pôde sair a percorrer as ruas como fazia habitualmente. Chamou seu filho Iezin, contou-lhe o segredo do espelho e mandou-o que fosse esmolar pelas praças e bazares, longe dos pontos preferidos pelos profissionais da mendicância.

 

- Meu filho – disse Nagazã – para que algum homem possa ser feliz na vida, e levar a bom termo uma empresa qualquer, deve evitar duas coisas que são prejudiciais: a vaidade própria e a inveja alheia!

 

Prometeu Iezin que não esqueceria o sábio e prudente conselho de seu pai e partiu levando, sob o braço, o espelho mágico.   Ao regressar, porém, não trazia no bolso uma única moeda; não ganhara, durante o dia inteiro, um mísero cequim.

 

- Que fizeste, meu filho? – perguntou o velho. O jovem confessou que,  ao olhar para o espelho, encantara-se com a beleza de sua própria fisionomia. Via-se muito diferente do que  era realmente. E tão maravilhado ficou que outra coisa não fez, senão mirar-se no espelho mágico e elogiar a si próprio pelo aspecto encantador de seu semblante.

 

- Por Alá! – exclamou o mendigo. – Já vejo que não passas de um tolo, um fraco. Ganhaste alguma coisa com a tua própria ilusão?  Estás, porventura, menos feio? Não sabias, então, que esse espelho é falso e mentiroso? Um diferença existe entre o homem de talento e o tolo. O homem de talento, para vencer na vida, procura lisonjear os outros; o tolo lisonjeia a si mesmo.  E o velho Nagazã disse a seu filho: - Voltarás, ainda uma vez, à cidade com o espelho mágico; mas só poderás tirar dele resultado se seguires fielmente os meus conselhos.

 

No dia seguinte voltou Iezin a esmolar pelas ruas da cidade. Mas, ao invés de procurar os recantos mais sossegados, quis causar inveja aos outros mendigos. Colocou-se perto de um grupo de maltrapilhos que esmolavam e começou a fazer uso do espelho mágico.  O resultado foi admirável. Todos os transeuntes vaidosos deixavam cair aos pés de Iezin moedas de ouro e prata. O jovem sorria orgulhoso e divertia-se com a inveja torturante dos miseráveis pedintes que pouco ou nada recebiam.

 

Ora, um dos mendicantes, ao notar a sorte com que o jovem esmolava, começou a observá-lo e descobriu, sem dificuldade, que o espelho de Iezin era mágico.

 

Inspirado por um rancor surdo, foi a um bazar próximo comprou um espelho côncavo ( desses que deformam as imagens ) e num momento em que Iezin se achava distraído, contando o dinheiro ganho, trocou-o pelo espelho encantado.

 

Passados alguns minutos atravessou a rua um Xeque barbi-ruivo, ricamente vestido, que se fazia acompanhar de dois amigos.  Cero de que tinha ainda em seu poder o espelho encantado, Iezin aproximou-se do orgulhoso Xeque e disse-lhe: - Reparai, ó Xeque, no vosso belo semblante reproduzido neste admirável espelho e erguei louvores a Alá, o Exaltado, qie vos proporcionou tão invejável fisionomia!

 

O Xeque, que era um dos homens mais vaidosos da cidade, olhou para o espelho e viu o seu rosto monstruosamente deformado.  – Cão miserável! – exclamou furioso. – Queres te divertir à minha custa? Vou mostrar-te como se castiga um camelo audacioso!  E agrediu Iezin com uma série de socos bem aplicados e outros tantos violentos pontapés.

 

Vendo-se atacado, Iezin tratou de fugir o mais depressa possível e voltou para casa ferido e maltratado.  O velho Nagazã compreendeu que seu filho havia sido vítima de um roubo e que o autor da troca fora um dos mendigos que faziam ponto junto à mesquita.

 

Disse o ancião: - Foste castigado, meu filho, porque, esquecido de meu conselho, não procuraste evitar a inveja dos maus.

 

E na velha mesquita de Bagdá, durante muitos séculos, as duas  sábias inscrições faziam lembrar a curiosa lenda do espelho mágico.

 

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A vaidade esmaga em nossos corações os bons sentimentos e faz com que esqueçamos os nossos defeitos.

 

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“Evitemos a inveja dos maus; a inveja é como víbora, cheia de veneno, que se aproxima de nós.”

 

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Conto de autoria do escritor  Malba Tahan

 

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O GANANCIOSO E O INVEJOSO

 

Um homem ganancioso e outro invejoso encontraram um rei. O rei lhes disse: “Um de vocês dois pode me pedir alguma coisa e eu lhe darei, desde que possa dar o dobro ao outro”.  O invejoso não quis ser o primeiro porque ficou com inveja do companheiro que receberia o dobro, e o ganancioso também não quis porque desejava tudo para ele.  Finalmente, o ganancioso pressionou o invejoso para fazer o pedido. Aí o invejoso pediu ao rei para lhe furar um dos olhos.

 

JEWISH PARABLE. THE SEVEN DEADLY SINS, SOLOMON SCHIMMEL, 1992

 

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O admirador que percebe que não será feliz renunciando ao objeto admirado prefere invejá-lo. Por conseguinte, ele fala outra língua – aquilo que ele realmente admira, chama de coisa idiota, insípida e esquisita.

 

A admiração é a auto-renúncia feliz; a inveja é a auto-afirmação infeliz.

 

SOREN KIERKEGAARD, 1813 – 1855

 

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UM JARDIM DE ERVAS DANINHAS

 

Você não as alimenta, mas elas se espalham quando você rega o jardim. Você não as vê agora, mas elas tomam conta, altas e feias, impedindo tudo que é belo de florir. Antes que seja tarde, não regue indiscriminadamente. Destrua as ervas daninhas da inveja recusando-lhes o alimento.

 

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Ocasionalmente, revele um defeito inofensivo no seu caráter, pois o invejoso acusa o mais perfeito de pecar por não ter pecado. Ele se torna um Argos, só olhos para encontrar falhas na excelência - é o seu único consolo. Não deixe a inveja explodir com seu próprio veneno - desarme-a de antemão afetando alguma falha de valor ou inteligência. Assim você agita a sua capa vermelha diante dos cornos da inveja, para salvar a sua imortalidade.

 

BALTASAR GRACIÁN, 1601 - 1658

 

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De todos os distúrbios da alma, a inveja é a única que  se esconde.

 

PLUTARCO, c. 46-120 d.C

 

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O invejoso oculta-se com o mesmo zelo do pecador secreto e lascivo e se torna um inventor de infindáveis truques e estratagemas que usa para se esconder e disfarçar. Assim, ele consegue fingir que ignora a superioridade dos outros que lhe corrói a alma, como se não visse, não a ouvisse, não tivesse dela consciência, nem tivesse escutado comentários a seu respeito. Ele é um mestre da simulação.

 

Por outro lado, ele tenta com todas as suas forças ser conivente e, por conseguinte, impedir o aparecimento de qualquer forma de superioridade em qualquer situação. E quando ela surge, lança sobre ela a obscuridade, a hipercrítica, o sarcasmo e a calúnia como o sapo cuspindo veneno de dentro da sua toca. De outra forma, ele louvará infinitamente homens insignificantes, pessoas medíocres e até aquele que lhe é inferior no seu mesmo ramo de atividade.

 

ARTHUR SCHOPENHAUER, 1788-1860

 

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Pois é raro, diz o provérbio, o homem que consegue amar o amigo que prospera sem invejá-lo; e, na mente do invejoso, o frio veneno se agarra e ele sente em dobro todas as dores que a vida lhe traz. Das suas próprias feridas ele tem de tratar, e a felicidade do outro para ele é como uma maldição.

 

ÉSQUILO, c. 525 - 456 a.C

 

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JOSÉ E A SUA TÚNICA

 

Ora Israel amava mais a José que a todos os seus filhos, porque era filho da sua velhice; e lhe fez uma túnica de muitas cores.... E seus irmãos o invejaram (...) E quando de longe o viram, conspiraram para matá-lo. E dizia um ao outro: "Vem lá o tal sonhador ! Vinde, pois, agora, matemo-lo e lancemo-lo numa destas cisternas, e diremos, "um animal selvagem o comeu; vejamos o que será dos seus sonhos."

 

VELHO TESTAMENTO, GÊNESIS, 37:3 - 20

 

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A INVEJA  ATORMENTA  AGLAUROS

 

A deusa Minerva se dirigiu para onde habita a Inveja, um lugar imundo coberto de limo escuro e fétido. Ela se esconde nas profundezas dos vales, onde os raios de sol não alcançam e o vento não sopra; morada melancólioca, impregnada de uma friagem entorpecedora, sempre sem fogo. sempre amortalhada em espessa escuridão.

 

Chegando lá, Minerva parou diante da casa... e bateu com a ponta da lança na porta, que se abriu revelando a Inveja entretida refestelando-se com a carne de serpentes, com que nutria a sua maldade. Diante desta cena, Minerva desviou o olhar. Mas a outra se ergueu pesadamente do chão, abandonando os corpos semidevorados e se aproximou arrastando os pés. Ao ver a deusa em todo o esplendor da sua beleza, na sua armadura cintilante, ela rosnou... O rosto da inveja era pálido, o corpo magro e abatido,  e os olhos horrivelmente envesgados; os dentes descoloridos e podres, o seio venenoso de um tom esverdeado, a língua destilando veneno. Só a visão do sofrimento levava um sorriso aos seus lábios. Desconhecendo o conforto do sono, ela se mantinha sempre em estado de alerta, preocupada e ansiosa, olhando com desânimo o sucesso dos homens, e emagrecendo com a visão. Consumindo e sendo consumida, ela mesma era o seu próprio tormento.

 

Minerva, a despeito do nojo que sentia, falou rapidamente: "Instile o seu veneno numa das filhas de Cecrop - seu nome é Aglauros. isto é o que lhe peço". sem dizer mais nada, calcou o chão com a lança, deixou a terra e subiu aos céus. Com o canto dos olhos a outra ficou observando a deusa desaparecer de vista, resmungando e zangada porque o plano de Minerva tinha de ter sucesso. Em seguida, pegou o seu bastão rodeado de espinhos e se pôs a caminho, envolta em nuvens escuras. por onde passava ia esmagando com os pés os campos floridos, secando a grama, cortando o topo das árvores e manchando com seu hálito os povos, suas cidades e casas, até chegar a Atenas, lar dos ricos e inteligentes, dos pacíficos e prósperos. Mal conteve as lágrimas ao ver que não havia nada a lamentar.

 

Em seguida, entrando no quarto da filha de Cecrop, executou as ordens de Minerva. Tocou no peito da moça com a mão úmida de malícia, encheu seu coração de espinhos pontudos e, soprando um veneno negro e maligno, o dispersou pelos seus ossos, instilando a maldade no fundo do seu coração. 

 

Para que não fosse difícil encontrar o motivo da sua tristeza, ela colocou diante dos olhos de Aglauros a visão da sua irmã, do feliz casamento daquela irmã [ com o deus mercúrio ], e do deus em toda a sua beleza; e exagerou a glória de tudo isso. Assim Aglauros ficou atormentada com esses pensamentos e a inveja que escondia lhe consumia o coração. Dia e noite ela suspirava, num constante infortúnio, e na sua extrema tristeza foi lentamente definhando, como o gelo que se derrete sob o sol intermitente. O fogo que, dentro dela, a idéia da sorte da irmã alimentava era como o queimar das ervas daninhas, que não explodem em chamas, mas, não obstante, se consomem em fogo lento.

 

METAMORFOSES, OVÍDIO, 43 a.C A 18 d.C

 

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Alguém já confessou seriamente sentir inveja? Há nela algo que se considera universalmente mais vergonhoso até do que o crime perverso. E não só todos a repudiam, como os mais agraciados inclinam-se a não acreditar quando é atribuída com sinceridade a um homem inteligente. Mas, como se aloja no coração e não no cérebro, a inteligência não é garantia contra ela.

 

BILLY BUDD, HERMAN MELVILLE, 1819 - 1891

 

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A TRAGÉDIA DO TÚMULO

 

Quando o papa Júlio viu o projeto de Michelangelo para o seu túmulo gostou tanto que o mandou imediatamente a Carrara buscar os mármores necessários, instruindo Alamanno Salviati, de Florença, para lhe pagar ducados. Michelangelo ficou naquelas montanhas mais de oito meses com dois operários e o seu cavalo, e sem outras provisões exceto comida (...) Depois de escavado e escolhido o mármore em quantidade suficiente, ele o levou para a costa, incumbindo um de seus homens de tratar do embarque. E voltou para Roma.

 

A quantidade de mármore era imensa, de forma que, espalhada por toda a praça, foi a admiração de todos e a alegria do papa, que cobriu Michelângelo de incomensuráveis privilégios e, quando o escultor começou a trabalhar neles incessantemente, ia vê-lo em sua casa e conversavam como se fossem irmãos. E para facilitar ainda mais o seu acesso até ele, o para mandou construir uma ponte levadiça ligando corredores aos aposentos de Michelangelo, pela qual poderia visitá-lo em particular.

 

Estes muitos e frequentes favores foram motivo de muita inveja e, acompanhando a inveja, de infindáveis perseguições, visto que Bramante, o arquiteto, que era amado pelo papa, o fez mudar de idéia quanto ao monumento dizendo-lhe, como diz o povo, que dá azar construir o próprio túmulo ainda em vida, e outras histórias mais. O medo e a inveja estimulavam Bramante, pois as críticas de Michelangelo haviam exposto muitos de seus erros (...) Ora, como ele não duvidava que Michelangelo conhecesse esses seus erros, ele sempre procurou afastá-lo de Roma, ou, pelo menos, privá-lo dos favores do  papa, da glória e da utilidade que poderia ter alcançado com sua arte. Ele teve êxito na questão do túmulo.  Certamente, se Michelângelo tivesse tido permissão para terminá-lo, de acordo com o seu desenho original, com tanto espaço para mostrar o seu valor, nenhum outro artista, por mais  festejado que fosse, ( seja dito isso sem inveja ), poderia ter lhe arrebatado a alta posição em que se encontraria.

 

VITA DI MICHELANGELO, ASCANIO CONDIVI, 1553

 

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INTERPRETAÇÃO

 

O motivo para se ficar atento com os invejosos é que eles são muito dissimulados e encontrarão inúmeras formas de destruí-lo aos poucos. mas ficar cheio de cuidados em geral só aumenta a inveja. O invejoso percebe que você está sendo cauteloso e isso lhes parece ser mais um sinal da sua superioridade. Por isso, às vezes, é melhor usar abordagem inversa: mostre um desprezo total por aqueles que o invejam, mas ao invés de ocultar a sua perfeição, torne-a óbvia. Faça de cada triunfo uma chance para deixar os invejosos se contorcendo. A sua sorte e o seu poder será o inferno para eles. O invejoso quer causar-lhe dor com aquilo que lhes causa dor. Sofrem e querem igualmente fazer sofrer. Ainda que te sintas nobre, mais nobre ainda te sentem os invejosos que te guardam antipatia e , por isso, te lançam olhares maus!!

 

Um nobre é um obstáculo no caminho dos invejosos, e mesmo que o chamem de bom, querem com isso afastá-lo dalí.

 

Foi assim que Michelangelo triunfou sobre o virulento arquiteto Bramante.  Bramante invejava a habilidade divina de Michelangelo, e ao triunfo do projeto do túmulo ele pensou acrescentar outro, insistindo para que o papa encomendasse a pintura dos murais da Capela Sistina a Michelangelo. O projeto levaria anos, durante os quais Michelangelo não poderia mais esculpir as suas maravilhosas estátuas. Além disso, Bramante considerava que Michelangelo não era tão bom pintor quanto escultor. A capela  arruinaria a sua imagem de artista perfeito.

 

Michelangelo percebeu a armadilha e quis recusar a encomenda, mas como não podia negar um pedido do papa, concordou sem se queixar. Mas aí, então, ele usou a inveja de Bramante para chegar ao auge, fazendo da Capela Sistina a sua obra mais perfeita. Sempre que ouvia falar dela, ou a via, Bramante sentia-se ainda mais oprimido pela própria inveja - a forma mais agradável e permanente de se vingar do invejoso.

 
 

Com relação à cautela com a inveja, a virtude que se esconde a tempo vence a si mesma assegurando as suas riquezas, pois o tesouro da mente não tem menos necessidade às vezes de estar sepultado do que o tesouro das coisas mortais. A cabeça que carrega imerecidas coroas suspeita de toda cabeça na qual habita a sabedoria; e por isso frequentemente é virtude sobre virtude dissimular a virtude, não com o véu do vício, mas não mostrar todas as luzes, para não ofender a vista enferma da inveja e do temor alheio dos inseguros e de baixa autoestima.

 

Também o esplendor da fortuna há de ser revelado com prudência, já que passar a exibições de vestes excessivas e vãos ornamentos, além de destruir o capital no dispêndio, costuma provocar um grande fogo na própria casa, despertando os olhos dos insaciáveis para pretenderem parte disso e talvez tudo.

 

Mais árduo é o trabalho de demonstrar  alegria na presença dos tiranos que costumam tomar nota dos suspiros alheios, como  Tácito disse de Domiciniano: "Sob Domiciniano a maior infelicidade era ver e ser visto, quando se registravam os nossos suspiros, e para notar quantos empalideciam bastava que sobre eles se fixasse o seu terrível rosto avermelhado, com o qual escondia a vergonha. De modo que não é permitido suspirar quando o tirano não deixa respirar e não é lícito mostrar-se pálido enquanto o ferro torna vermelha a terra com sangue inocente e são negadas as lágrimas que, pela bondade da  natureza, são concedidas aos miseráveis como dote próprio para formar a onda que em tão pequenas gotas costuma levar todo grave aborrecimento e deixar o coração, senão são, ao menos não oprimido.

 

Parecer melhor do que os outros é sempre perigoso, e perigosíssimo  parecer não ter falhas ou fraquezas. A inveja cria inimigos silenciosos. É sinal de astúcia exibir ocasionalmente alguns defeitos, e admitir vícios inofensivos para desviar a inveja e parecer mais humano e acessível. Só os deuses e os mortos podem parecer perfeitos impunemente.

 

Não seja tolo a ponto de acreditar que desperta admiração gabando-se das qualidades que o fazem superior. Ao tornar as pessoas conscientes da sua posição inferior, você está despertando "admiração infeliz", ou seja, inveja, que as corroerá de uma tal forma que elas o prejudicarão como você nunca imaginou fosse possível. O tolo desafia os deuses da inveja alardeando as suas vitórias. O mestre do poder compreende que aparentar superioridade é irrelevante comparado com a realidade. Igualmente, não faça alarde da sua riqueza. Mostre estar se submetendo às opiniões dos outros como se fossem mais poderosos do que você, etc....

 

Todo invejoso ataca às escondidas, quase sempre disfarçando suas agressões como 'lições de moral'. Não há muita coisa que o Invejado possa fazer para evitar  invejoso; se todos tivessem o mesmo sucesso, a sociedade não funcionaria.  Aceite, portanto, a inveja como uma insígnia de honra. Não seja ingênuo, preste atenção. Quando atacado por um perseguidor moralista, não se deixe convencer pela sua cruzada, o motivo é a inveja, pura e simples. No final é melhor aprender a suportar os ataques.

 

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É preciso muito talento e habilidade para dissimular o próprio talento e habilidade.

 

LA ROCHEFOUCAULD, 1613 – 1680

 

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Qualquer tipo de poder político gera inveja, e uma das maneiras de desviá-la antes que tome raízes é parecer pouco ambicioso. Quando Ivan, o Terrível, morreu, Boris Godunov sabia que ele era o único em cena capaz de liderar a Rússia, mas se agisse com muita sofreguidão despertaria inveja e suspeita entre os boiardos, então ele recusou a coroa, não uma vez, mas várias. Ele fez o povo insistir para que ele subisse ao trono. George Washington usou a mesma estratégia  com grande efeito, primeiro recusando-se a manter-se no cargo de comandante-em-chefe do exército americano, depois, dizendo que não queria ser presidente. em ambos os casos ele aumentou ainda mais a sua popularidade. Acredita-se que não se inveje o poder que se deu a quem parecia não o estar querendo.

 

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Saiba como triunfar sobre a inveja. Aqui o desprezo, embora prudente, conta muito pouco; é melhor a magnanimidade. Defender alguém que fala mal de você será sempre louvável; não há vingança mais nobre do que a que se origina daqueles mesmos méritos e conquistas que frustram e atormentam o invejoso. A cada golpe de sorte mais se retorce a corda com a qual o mal-intencionado se enforca, e o paraíso do invejado é o inferno do invejoso. Converter a sua sorte em veneno para seus inimigos é o pior castigo que eles podem sofrer.

 

O invejoso não morre apenas uma vez, mas várias, sempre que o invejado escuta um elogio; a eternidade da fama deste é a medida da punição daquele: este é imortal na sua glória, aquele na sua miséria. os clarins da fama que soam pela imortalidade de um, anunciam a morte do outro, condenado a morrer engasgado com a própria inveja.

 

BALTASAR GRACIÁN, 1601-1658

 

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OS INVEJOSOS QUEREM NOS CASTIGAR PELAS NOSSAS VIRTUDES E SÓ PERDOAM SINCERAMENTE OS ERROS

 

O invejoso nutre, no fundo, uma admiração oculta pelo invejado. A fúria do invejoso sempre se direciona para um êxito. Schopenhauer, filósofo que inspirou Nietzche, afirmou o seguinte  a esse respeito: "A inveja dos homens mostra quão infelizes eles se sentem e a atenção constante que dão ao que fazem os demais mostra como sua vida é tediosa."

 

Isso não quer dizer que não se deve tomar cuidado com os invejosos, que cegos pela paixão negativa que os move, podem criar problemas. Como falar sobre a inveja não resolve nada - ninguém assume essa disfunção emocional - o mais sensato é evitar envolver o invejoso em seus planos, pois sua tendência inconsciente será tentar lhe boicotar.

 

Quando se fala sobre um projeto promissor a uma pessoa dessas, ela logo trata de apontar as falhas para  desanimar, para que não sigam em frente. por esse mesmo motivo, convém ocultar-se os êxitos sempre que possível. Dessa forma poupa-se sofrimento e evita-se a carga emocional negativa que poderia  atingir o invejado.

 

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ALGUNS ASPECTOS DA PERSONALIDADE NEGATIVA

 

 


 

 

A inveja e o ódio são características que inviabilizam uma personalidade agradável. São impulsivos e repentinos. O semelhante atrai o semelhante. Aquele que odeia será odiado, por mais que tente disfarçar, aparentando delicadeza.

 

A Raiva, seja na forma ativa ou passiva, é uma característica que desperta antipatia e antagonismo.

 

A constante insatisfação é característica de quem vive procurando falhas nos outros e nas situações e torna-se com isso muito desagradável. Deveria aproveitar melhor o tempo examinando os próprios defeitos.

 

A maledicência - quem leva a traz. Quando não podem escapar, as pessoas ouvem as "fofocas", mas não gostam do fofoqueiro.

 

mentiroso é persona não grata em qualquer ambiente, doméstico ou profissional. Para alguns, a mentira torna-se um hábito que destrói a confiança e desperta antagonismo.

 

É melhor contar apenas uma parte da verdade do que "aumentar" a história. O exagero gera desconfiança.

 

A vaidade só existe de forma aceitável quando for para expressar ideias por meio de ações úteis e não de palavras. A autoconfiança é uma das características mais desejáveis e necessárias, mas deve ser controlada e dirigida para objetivos específicos, por meio de métodos que não despertem antagonismo.  Todas as formas de autoelogio são facilmente reconhecíveis como indícios de complexos de inferioridade. Portanto, o lema deve ser: "Atos e não palavras".

 

A pessoa teimosa nunca é agradável. Claro que determinação e capacidade de defender opiniões são características essenciais, mas só devem ser demonstrada em momento oportuno e de forma branda.

 

Ninguém gosta do egoísta. Embora essa característica traga prejuízo essencialmente ao egoísta, ela também atrai muita oposição.

 

O hábito de inventar desculpas para fugir à responsabilidade pelos próprios erros também é desagradável. É melhor assumir a responsabilidade pelos erros alheios do que habituar-se a lançar sobre os outros a responsabilidade pelos seus.

 

A ganância é difícil de esconder e comumente anda junto a deslealdade e a desonestidade.

 

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Do perigo da Ingratidão.

 

Sabendo o que pode acontecer se você colocar o dedo na boca de um leão, é melhor não fazê-lo. Com amigos você não terá tanta cautela e eles o comerão vivo com a sua ingratidão. O sábio lucra mais com seus inimigos do que o tolo com seus amigos.

 

Baltasar Gracián, 1601 - 1658

 

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Para um bom inimigo, escolha um amigo. Ele sabe onde atacar.

 

Diane de Poitiers. 1499-1566

 

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Sempre que ofereço um posto vago, faço centenas de descontentes e um ingrato.

 

Luiz XIV, 1638-1715

 

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Assim, eu mesmo já fui mais de uma vez iludido pela pessoa a quem mais amava e em cujo amor, acima de qualquer outra pessoa, eu mais confiava. Acredito, portanto, que seja certo amar e servir a uma pessoa mais do que a todas as outras, porém  jamais confiar tanto nesta tentadora armadilha da amizade a ponto de ter de se arrepender mais tarde.

 

Baldassare Castiglione - 1478-1529

 

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A  Arrogância por parte de quem tem mérito nos parece mais ofensiva que a arrogância de quem não o tem: para o invejoso o puro e simples mérito alheio é ofensivo.

 

Com esse aforismo, o filósofo alemão Nietzsche faz referência ao perigo da comparação, com a qual sempre perdemos. A comparação e a inveja que a acompanha refletem uma admiração mal administrada, que, em vez de ajudar na superação  pessoal, acaba agindo como um obstáculo à própria capacidade.

 

Esse sentimento, definido como "desgosto pela alegria alheia" , faz com que o invejoso tenha dificuldade e se relacionar de forma positiva com que o cerca, já que as pessoas que ele inveja costumam ser próximas. O invejoso encara a prosperidade alheia como algo que nos deprecia. O sucesso alheio ao invés de ser interpretado como um caminho a poder ser seguido, significa o próprio fracasso para o invejoso.

 

Quando o invejoso substituir a inveja pelo desafio, os méritos e as qualidades dos outros se transformaram em um convite para a própria superação.

 

A melhor comparação é a que fazemos com nós mesmos. De onde estamos, podemos aspirar à conquista do lugar que gostaríamos de ocupar.

 

O VAGALUME E A COBRA

 

A cobra vivia perseguindo o vagalume, querendo devorá-lo. Certo dia, cansado de fugir, o vagalume parou e perguntou à cobra: pertenço a sua cadeia alimentar?  A cobra respondeu: Não.   Eu te fiz algum mal?  Não.  Então por que você me persegue ?  É que eu não suporto ver você brilhar.

 

MORAL

 

Continue fazendo o seu melhor, aconteça o que acontecer. Seja autêntico ainda que a sua luz  perturbe os predadores.   Lembre-se de que, em última análise, o que somos comunica com muito mais eloquência do que o que dizemos ou fazemos ou o que dizem a nosso respeito. Trata-se simplesmente da radiação constante do que a pessoa verdadeiramente é, e não do que ela finge ser.  Tentar modificar as atitudes e os comportamentos exteriores não adianta a longo prazo porque estarão em desconexão com os paradigmas íntimos de quem os pratica a partir dos quais estas atitudes e estes comportamentos são gerados.  Nunca modifique seus princípios por percalço algum.

 

A melhor forma de vingar-se de um invejoso é não se assemelhar a ele e não esconder o seu sucesso.  Guarde a certeza pelas próprias dificuldades já superadas que não há mal que dure para sempre.

 

 

Texto compilado extraído do livro "Nietzsxhe para estressados", do autor Allan Percy;

de livro dos autores Robert Greene e Joost Elffers e do escritor Malba Tahan