O  CHARLATÃO  E  A  NECESSIDADE  HUMANA

 
 
 
 
 
 
 

 

Para o charlatão, é vantagem  que os indivíduos predispostos à credulidade se multipliquem, que os grupos de adeptos cresçam em proporções maciças, garantindo  uma perspectiva mais ampla para seus triunfos.

 

E isso de fato sempre ocorreu, com a popularização da ciência, a partir do Renascimento e com o passar dos séculos. Com o imenso avançar do conhecimento e divulgação pela imprensa na época moderna, a massa dos semi-educados, a ansiosa presa ingênua do charlatão, também aumentou, tornando-se na verdade uma maioria; o poder real podia se basear nos seus desejos, opiniões, preferências e rejeições.

 

O império do charlatão se ampliou coerentemente com a divulgação moderna do conhecimento; visto operar com base na ciência, por mais que a pervertesse, produzindo ouro com uma técnica copiada da química e seus maravilhosos bálsamos com o aparato da medicina, ele não poderia apelar para um povo totalmente ignorante.

 

Os analfabetos se protegeriam de seus absurdos usando o seu saudável bom senso.  A sua plateia de preferência deve ser  composta de semi-alfabetizados, aqueles que  trocam  o bom senso por um pouco de informações distorcidas,  mal estudadas, mal conhecidas, e ao se defrontarem com a ciência e a educação , em algum momento das suas vidas,  que isso  tenha se dado de forma rápida e malogradamente ....

 

A grande massa da humanidade sempre esteve disposta a se maravilhar diante de mistérios, e isto foi especialmente verdade em certos períodos históricos quando os fundamentos seguros da vida pareciam abalados e os velhos valores, econômicos e espirituais, há muito aceitos como certezas, não eram mais confiáveis. Aí então se multiplicam os trouxas enganados pelos charlatões – os “self-killers”, como um inglês do século XVII os chamou.

 

THE POWER OF CHARLATAN,

 

GRETE DE FRANCESCO, 1939

 

 

 

 

 

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Com todos os grandes impostores existe uma ocorrência notável à qual eles devem o seu poder. 

 

No próprio ato da fraude eles são dominados pela crença em si mesmos:  

 

é isto que vai transparecer de forma tão milagrosa e atraente para os que o cercam.

 

Friedrich Nietzsche, 1844 - 1900

 

 

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Para fundar uma nova religião, é preciso ser psicologicamente infalível no conhecimento de um certo tipo mediano de almas que ainda não reconheceram que pertencem ao mesmo grupo.

 

 

FRIEDRICH NIETZSCHE, 1844 – 1900

 

 

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NÃO ACEITE  CORTESIA  COMO PAGAMENTO

 

 

É uma espécie de logro. 

 
 

Alguns, para enfeitiçar, não precisam de ervas mágicas da Tessália. 

 
 

Ao tirar o chapéu para cumprimentar do jeito certo, encantam os tolos, isto é, os presunçosos. 

 
 

Mercadejam a honra e pagam as dívidas com um vento de palavras bonitas. 

 
 

Aquele que promete tudo, nada promete ; as promessas são um escorregão para os tolos. 

 
 

A verdadeira cortesia é um dever, a cortesia falsa, um ardil, e a cortesia expressiva não é dignidade, mas dependência. 

 
 

Quem a pratica reverencia não a pessoa, mas a riqueza e a lisonja; não às qualidades que reconhece, mas a favores esperados.

 

 

 

BALTAZAR   GRACIÁN

 
 
 
 

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METÁFORA

 

 

O maior perigo é o morno porque o quente e o frio percebe-se de pronto, mas ao morno não nos ligamos muito é é aí que pode está  o dano

 

 

 

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Na afabilidade para com todos não se vê traço de misantropia, mas sim quanto de desprezo pelos homens.

 

quem é amigo de todos ( qualquer um ), não é amigo de ninguém

 
 
 

 

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"O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. 

 

Quem é capaz  de compreendê-lo ?

 

Jeremias 17:9

 

 

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O Tempo desmascara as aparências, revela a mentira e expõe o caráter.

 

 

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O  ÍMÃ

 

 

A sua força invisível atrai para si os objetos que por sua vez se tornam magnetizados atraindo outros, fazendo crescer constantemente o magnetismo do todo. Mas retire o ímã original e tudo desmonta. O charlatão funciona como o ímã que atrai a imaginação das pessoas e as mantém juntas. Uma vez reunidas ao seu redor, não é  qualquer poder que as arrancará de lá

 

 

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A CORUJA  QUE  ERA  DEUS.

 

Certa vez, no meio de uma noite sem estrelas, uma coruja estava pousada no galho de um carvalho.  Duas toupeiras tentaram se esgueirar por ali sem serem vistas. “ Você!”, disse a coruja.  Quem?”, elas perguntaram trêmulas, assustadas, porque não acreditavam que fosse possível alguém vê-las naquela escuridão toda.

 

“Vocês duas!”, disse a coruja. As toupeiras fugiram correndo e contaram para as outras criaturas do campo e da floresta que a coruja era o maior e o mais sábio de todos os animais porque era capaz de ver no escuro e sabia responder a qualquer pergunta.

 

“Vou conferir isso”, disse um pássaro serpentário, e foi visitar a coruja numa noite em que também estava muito escuro. “Quantas garras eu tenho aqui?”, disse o serpentário.  “Duas”, disse a coruja, e estava certa. “ Pode me dar outra expressão para ‘digamos’, ou ‘isto é’ “ A saber”, disse a coruja. “ Por que o amante vai visitar seu amor?, perguntou o serpentário. “Para namorar”, disse a coruja.

 

O serpentário voltou correndo para onde estavam as outras criaturas e relatou que a coruja era realmente o animal sagrado e mais sábio do mundo porque  via no escuro e porque era capaz de responder a todas as perguntas.

 

“Ela pode ver no claro também?”, perguntou a raposa vermelha. “ Sim”, ecoaram um rato silvestre e um poodle francês. “ Ela vê de dia também?”  Todas as outras criaturas acharam muita graça nesta pergunta tola, e caíram em cima da raposa e dos seus amigos e os expulsaram da região. Em seguida enviaram um mensageiro até onde estava a coruja e lhe pediram para ser sua líder.

 

Quando a coruja apareceu entre os animais já era meio-dia e o sol estava muito forte. Ela caminhava devagar, o que lhe dava uma aparência de grande dignidade, e ficava espiando ao redor com seus grandes olhos arregalados, o que lhe dava um ar de tremenda importância.

 

“Ela é DEUS!”, gritou uma galinha Plymouth Rock. E os outros começaram a gritar “É DEUS”  E assim começaram a segui-la onde quer que fosse, e quando ela começou a tropeçar nas coisas, todos começaram a tropeçar também.......

 

Finalmente chegaram a uma estrada de concreto por onde ela entrou e todas as criaturas a seguiram.  De repente, um gavião, que funcionava de batedor, viu um caminhão se aproximando a  oitenta quilômetros por hora e informou ao serpentário que informou à coruja. “ Perigo à vista”, disse o serpentário. “A saber?”, disse a coruja. O serpentário lhe disse. “Não está com medo?”, perguntou ele. “Quem?” disse a coruja calmamente, pois não podia ver o caminhão.   “É DEUS!”, gritaram todas as criaturas novamente, e ainda estavam gritando “É DEUS!” quando o caminhão passou por cima delas. Alguns animais só se machucaram, mas a maioria, inclusive a coruja, morreu.

 

JAMES THURBER, 1894 – 1961

 

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Os homens são tão simplórios e tão dominados por suas necessidades imediatas que um mentiroso sempre encontrará muitos prontos para serem enganados.

 

NICOLAU MAQUIAVEL, 1469 – 1527

 

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Quem procura videntes para saber o futuro está se privando, inconscientemente, de uma sugestão interior mil vezes  mais precisa do que qualquer coisa que eles possam dizer.

 

WLATER BENJAMIN, 1892 - 1940

 

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O TEMPLO DA SAÚDE

 

No final da década de 1780, o charlatão escocês James Graham estava conquistando muitos seguidores e ganhando muito dinheiro em Londres....Ele mantinha um espetáculo de grande técnica científica.

 

Em 1772, ele tinha visitado a Filadélfia, onde conheceu Benjamim Franklin e se interessou pó suas recentes experiências com a eletricidade. Estas parecem ter inspirado o aparato no “Templo da Saúde”, o fabuloso estabelecimento que ele abriu em Londres para a venda de elixires...

 

Na sala principal, onde recebia os pacientes, ficava “a maior bomba de ar do mundo” para ajudá-lo nas suas “investigações filosóficas” das doenças, e também  um “estupendo condutor metálico”, um pedestal ricamente dourado rodeado de retortas e frascos de “etéreos e outras essências”....

 

Segundo J. Ennemoser, que publicou uma história da  magia em 1844 em Leipzig, “a casa de Graham reunia o útil ao agradável. Por toda a parte tudo era magnífico. Até no pátio externo, assegurava uma testemunha ocular, parecia como se a arte, a invenção e a riqueza tivessem ali exauridas.

 

Nas paredes laterais dos quartos um arco luminoso era produzido por luz elétrica artificial; raios cintilavam; vidros transparentes de todas as cores estavam colocados em locais bem escolhidos e de bom gosto. Tudo isso, a mesma testemunha garante era encantador e exaltava a imaginação ao mais alto grau.

 

Os visitantes recebiam uma folha impressa com regras para uma vida saudável. No Grande Apartamento Apolo, eles podiam participar de rituais misteriosos acompanhados de cantos: “Salve, Ar Vital, etéreo! Magia Magnética, salve!”  E enquanto saudavam a magia do magnetismo, escureciam-se as janelas, revelando o teto salpicado de estrelas elétricas e uma jovem e encantadora “Rósea Deusa da Saúde” num nicho.....

 

Todas as noites este Templo da Saúde se enchia de convidados; era  moda visitá-lo e experimentar a grande cama cerimonial, a “Grande Cama Celestial”, que, dizia-se curava qualquer doença.... Esta cama, segundo Ennemoser, ficava num quarto esplêndido, ao qual um cilindro vindo de uma alcova adjacente conduzia os fluidos curativos... aos mesmo tempo  todos os tipos de odores agradáveis de ervas fortalecedoras e incenso oriental chegavam também por tubos de vidro.

 

A cama celestial apoiava-se sobre seis sólidos pilares de vidro; os lençóis eram de seda púrpura e azul-celeste estendidos sobre um colchão saturado de águas perfumadas árabes para se adequar à corte persa. A alcova em que estava colocada ele a chamava de Sanctum Sanctorum... Além disso tudo, havia o som melodioso de uma harmônica, flautas doces, vozes agradáveis, e um grande órgão.

 

THE POWER OF THE CHARLATAN

GRETE DE FRANCESCO, 1939

 

 

 

 

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O charlatão adquire o seu grande poder abrindo simplesmente uma possibilidade para os homens acreditarem naquilo em que já acreditam.... Os crédulos não conseguem se manter distantes, eles se aglomeram em torno do milagreiro, entram na sua aura pessoal, entregam-se à ilusão solenemente, como gado

 

Grete de Francesco, 1939

 

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INTERPRETAÇÃO

 

Como seres humanos, temos uma necessidade desesperada de acreditar em alguma coisa, qualquer coisa. Isto nos torna eminentemente crédulo: simplesmente não suportamos longos períodos de dúvidas ou vazio de não termos algo em que acreditar.  Baste que acenem na nossa frente com uma nova causa, um novo elixir, um esquema para enriquecer rápido, ou a  última tendência tecnológica ou movimento artístico que saltamos logo para morder a isca.

 

Veja a história: as crônicas das novas tendências e cultos que formaram massas de seguidores, só elas bastam para encher uma biblioteca. Depois de alguns séculos, algumas décadas, alguns anos, alguns meses, em geral  tudo isso cai no ridículo, mas na sua época pareceu tão atraente, tão transcendental, tão divino.  Sempre apressados para acreditar em alguma coisa, criamos santos e crenças do nada.

 

Os grandes charlatões europeus dos séculos XVI e XVII dominaram a arte da criação de cultos. Eles viveram em uma época de grandes transformações: a religião organizada estava em declínio, a ciência em ascensão. As pessoas estavam desesperadas para se reunirem em torno de uma nova causa ou fé.

 

Os charlatões começaram mascateando elixires medicinais e atalhos alquímicos para a riqueza. Nas rápidas passagens de cidade em cidade, eles originalmente focalizavam pequenos grupos – até que, por acaso, tropeçaram em um fato real da natureza humana: quanto maior o número de pessoas reunidas ao seu redor, mais fácil era enganá-las.

 

O charlatão subia numa plataforma de madeira ( daí o termo “saltimbanco” ) e multidões afluíam ao seu redor. Em grupo, as pessoas tornavam-se mais emotivas, menos capazes de raciocinar. Se o charlatão falasse com elas individualmente, elas o teriam achado ridículo, mas, perdidas na multidão, viam-se presas num estado comum de êxtase.  O grupo fornecia o ambiente em que o magnetismo teria o seu efeito adequado, um fiel contagiava o outro superando qualquer incrédulo individual.

 

É difícil para as pessoas na multidão encontrar o distanciamento que dá espaço à reflexão e à dúvida. Qualquer deficiência nas ideias do charlatão é encoberta pelo zelo das massas. A paixão e o entusiasmo apossam-se da multidão como por contágio, e as pessoas são capazes de reagir violentamente a quem quer que ouse espalhar uma semente de dúvida.

 

É mais fácil para um charlatão enganar um grupo do que um indivíduo. Isso, entretanto, é perigoso: se o grupo descobrir o charlatanismo não haverá uma alma iludida, mas uma multidão irada que o estraçalhará tão avidamente quanto o seguiu. Brincando com multidões, você brinca com o fogo. Os charlatões enfrentam constantemente esse risco e, por isso, estão sempre prontos para se mudar para outra cidade, sempre de malas prontas!.

 

 

 

 DA SIMPATIA  POR   QUE  POUCOS SE INTERESSAM

 

 
 
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Link para uma palestra sobre pessoas  cínicas e dissimuladas

https://www.youtube.com/watch?v=VyKy0X5UvvE

 

 

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A vida do homem consiste num a milícia contra a malícia do homem.

 
 

A astúcia luta com estratégias de intenção. Nunca faz o que indica. Aponta para enganar, golpeia indiferente no ar e desfere o golpe, atuando sobre a realidade imprevista com dissimulação atenta.

 
 

A fim de conquistar atenção e a confiança dos outros, deixa transparecer um intento. Logo em seguida, porém, muda de posição e vence pela surpresa.

 
 

A inteligência perspicaz previne-se da astúcia observando-a detidamente, espreita-a com cuidado, entende o oposto do que a astúcia quis que compreendesse e percebe de imediato as falsas intenções.

 
 

A inteligência ignora a primeira intenção, aguardando a segunda, e até a terceira. A simulação cresce mais ainda ao ver seu truque descoberto e tenta enganar contando a verdade. Muda de jogo,engana com a aparente falta de malícia. Sua astúcia se baseia na maior franqueza.

 
 

Mas a observação se adianta, discernindo através de tudo isso percebendo as sombras envoltas em luz. Decifra a intenção, que mais parece singela. Assim é a luta da astúcia de Pitão (a gigantesca serpente aniquilada por Apolo ao pé do monte Parnarso) contra a franqueza dos penetrantes raios de Apolo.

 
 

Baltazar Gracian – A  Arte da Prudência

 

 

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"Aja de forma que você possa lembrar o  passado com gratidão, alegrar-se com o presente e encarar o futuro sem medo”

 

Epicuro

 

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Texto compilado  de livro dos autores Robert Greene e Joost Elfferes


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