O CHARLATÃO  E AS PEQUENAS COISAS

 
 
 
 
 
 

 

Com o passar do tempo comecei a procurar as pequenas fraquezas.... São as pequenas coisas que importam. Certa ocasião, eu estava tentando influenciar o presidente de um grande banco de Omaha.  O negócio [fraude] envolvia  a compra de um sistema de trens urbanos de Omaha, incluindo uma ponte sobre o rio Mississippi .

 

 

Meus chefes eram supostamente alemães e eu tinha que negociar com Berlim. Enquanto aguardava notícia  deles eu apresentei a minha proposta de ações falsas de uma mina. Como este homem era rico, decidi arriscar alto...

 

 

Enquanto isso, eu jogava golfe com o  banqueiro, frequentava a sua casa, ia ao teatro com ele e a esposa. Embora ele mostrasse algum interesse  pelas minhas ações, ainda não estava convencido. Tinha que ir subindo até chegar a um investimento de um milhão e duzentos e cinquenta mil dólares. Desse total, eu colocaria novecentos mil, o banqueiro trezentos e cinquenta mil. Mas ele continuava hesitante. 

 

 

Uma noite eu jantava na sua casa e estava com um perfume – “April Violets”, da Coty. Na época não se considerava coisa de efeminado usar perfumes fortes. A esposa do banqueiro adorou. “Onde o conseguiu?” “É uma marca rara”, eu lhe disse, “feita especialmente para mim por um perfumista francês. Gostou?” “Adorei”, respondeu. No dia seguinte, fiz uma busca nos meus pertences e encontrei dois frascos vazios. Ambos tinham vindo da França, mas estavam vazios. Fui até a loja de departamentos no centro da cidade e comprei um litro de “April Violets” da Coty.  Coloquei  dentro dos dois frascos   franceses, selei-os cuidadosamente e os embrulhei em papel de seda. Naquela noite, fui até a casa do banqueiro e os dei de presente a sua mulher. “Foram feitas especialmente para mim em Colônia”, eu lhe disse.

 

 

No dia seguinte o banqueiro  me procurou no hotel. Sua esposa estava encantada com o perfume. Ela achava que nunca tinha usado uma fragrância tão maravilhosa e exótica. Eu não disse ao banqueiro que poderia comprar quanto quisesse ali mesmo em Omaha. “Ela falou,acrescentou o banqueiro, “que eu tinha sorte de estar associado com um homem como você.”

 

 

Desde aí a atitude dele mudou, ele acreditava plenamente no julgamento da sua mulher... E entregou os trezentos e cinquenta mil dólares. Esta, por acaso, foi a minha fraude mais valiosa.

 

 

“YELLOW KID” WEIL, 1875 – 1976”

 

 

 

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Da mesma forma como é possível desenvolver uma percepção acerca das pessoas através das pequenas coisas que elas dizem e fazem, é com base nas pequenas coisas que você diz e faz que se forma a maioria das impressões duradouras a seu respeito.

 

 

O modo como as pessoas se relacionam baseia-se em declarações conscientes e inconscientes que são emitidas e sentidas a cada segundo pelos respectivos interlocutores.

 

 

 

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NÃO ACEITE  CORTESIA  COMO PAGAMENTO

 

 

É uma espécie de logro. 

 
 

Alguns, para enfeitiçar, não precisam de ervas mágicas da Tessália. 

 
 

Ao tirar o chapéu para cumprimentar do jeito certo, encantam os tolos, isto é, os presunçosos. 

 
 

Mercadejam a honra e pagam as dívidas com um vento de palavras bonitas. 

 
 

Aquele que promete tudo, nada promete ; as promessas são um escorregão para os tolos. 

 
 

A verdadeira cortesia é um dever, a cortesia falsa, um ardil, e a cortesia expressiva não é dignidade, mas dependência. 

 
 

Quem a pratica reverencia não a pessoa, mas a riqueza e a lisonja; não às qualidades que reconhece, mas a favores esperados.

 

 

BALTAZAR   GRACIÁN

 
 
 
 

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METÁFORA

 

 

O maior perigo é o morno porque o quente e o frio percebe-se  de pronto, mas ao morno não nos ligamos muito é é aí que pode está  o dano

 

 

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Na afabilidade para com todos não se vê traço de misantropia, mas sim quanto de desprezo pelos homens.

 

quem é amigo de todos ( qualquer um ), não é amigo de ninguém

 

 

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"O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. 

 

Quem é capaz  de compreendê-lo ?

 

Jeremias 17:9

 

 

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PRESTAR  ATENÇÃO A QUEM CHEGA COM SEGUNDAS INTENÇÕES

 

O astuto distrai a vontade do outro a fim de vencê-la. Uma vez hesitante, é fácil convencê-la. Dissimula as intenções para obter o que quer e se põe em segundo plano a fim de chegar primeiro. O tiro acerta em quem não toma cuidado. Permaneça alerta enquanto as intenções estão despertas. Quando as intenções se ocultam no segundo plano, redobre a vigilância para reconhecê-las. A cautela deve ficar atenta a fim de perceber o artifício com que chegam; observe os rodeios para chegar ao que querem. Eles propõem uma coisa e pretendem outra, voando em círculos com sutileza até atingirem o alvo de sua intenção. Cuidado pois com o que se concede. Às vezes, é melhor fazer os outros entenderem que você entendeu.

 

BALTAZAR   GRACIÀN,  A ARTE DA PRUDÊNCIA

 
 
 

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O Tempo desmascara as aparências, revela a mentira e expõe o caráter

 

 

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SABER DIZER NÃO 

 

 

Não se pode conceder tudo a todos. Dizer não é tão importante quanto conceder, principalmente para aqueles que mandam. O que importa é como isso é feito. O não de alguns agrada mais do que o sim de outros; um não dourado satisfaz mais do que um sim lacônico. Muitos têm sempre o não na boca, e estragam tudo. O não é o que primeiro lhes ocorre. Podem ceder depois, mas não são estimados, porque já de inicio foram desagradáveis. Não se deve negar de chofre, que se saboreie a decepção pouco a pouco. Nunca negue nada por completo, os outros deixariam de depender de você. Deve haver sempre resquícios de esperança para adoçar o amargor da recusa. Que a cortesia ocupe a lacuna deixada pelo favor, e que as boas palavras compensam a falta de ação. Não e sim são palavras breves, mas exigem uma reflexão prolongada.

 

BALTAZAR   GRACIÁN,  A ARTE DA PRUDÊNCIA

 

 

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FAZER, MAS TAMBÉM PARECER

 

As coisas não passam pelo que são, mas pelo parecem. Sobressair-se é saber mostrar-se, é valer o dobro. O que não se vê é como se não existisse. A própria razão não é venerada quando não exibe um rosto razoável. São mais numerosos os iludidos que os precavidos. O engano prevalece, e as coisas são julgadas pelo seu aspecto, raramente sendo o que parecem. Um bom exterior é a melhor recomendação da perfeição interior.

 

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NÃO SE ENGANAR COM AS   PESSOAS

 

 

É a pior e mais freqüente maneira de ser ludibriado

 

Melhor ser enganado no preço do que na mercadoria. 

 

Nada exige um exame mais cuidadoso

 

Há grande diferença entre entender as coisas e conhecer as pessoas, e é uma grande arte conhecer os temperamentos e perceber as diferenças de humor. 

 

A natureza humana deve ser estudada com tanto cuidado quanto os livros.

 

BALTAZAR  GRACIÁN, A ARTE DA PRUDÊNCIA

 
 
 

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NÃO TER PRESSA  PARA ACREDITAR, NEM PARA QUERER

 

 

Percebe-se a maturidade pela demora em acreditar. A mentira é comum; que o acreditar seja incomum. Conclusões apressadas  levam facilmente ao engano. Contudo, não duvide abertamente da veracidade dos outros. Ao tratar alguém como mentiroso, ou afirmar que ele foi enganado, seria descortês e afrontoso. 

 

Há uma desvantagem ainda maior: 

 

não acreditar nos outros sugere que nós mesmos não somos merecedores de crédito. 

 

O mentiroso sofre duas vezes: nem acredita, nem é acreditado. 

 

Os sensatos retardam o julgamento sobre o que ouvem

 

E não tem pressa no querer, tampouco. Aconselha-nos um autor. 

 

Mente-se com palavras, mas também com ações, e o último tipo de logro causa um dano maior.

 

BALTAZAR GRACIÁN, A ARTE DA PRUDÊNCIA

 

 

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Procure partilhar os dons morais da majestade, em vez da pompa, 

 

e aspirar a coisas elevadas e substtanciais, em vez da vaidade tola.

 

BALTAZAR   GRACIAN,   A  ARTE DA PRUDÊNCIA

 

 

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A vida do homem consiste numa milícia contra a malícia do homem.

 
 

A astúcia luta com estratégias de intenção. Nunca faz o que indica. Aponta para enganar, golpeia indiferente no ar e desfere o golpe, atuando sobre a realidade imprevista com dissimulação atenta.

 
 

A fim de conquistar atenção e a confiança dos outros, deixa transparecer um intento. Logo em seguida, porém, muda de posição e vence pela surpresa.

 
 

A inteligência perspicaz previne-se da astúcia observando-a detidamente, espreita-a com cuidado, entende o oposto do que a astúcia quis que compreendesse e percebe de imediato as falsas intenções.

 
 

A inteligência ignora a primeira intenção, aguardando a segunda, e até a terceira. A simulação cresce mais ainda ao ver seu truque descoberto e tenta enganar contando a verdade. Muda de jogo,engana com a aparente falta de malícia. Sua astúcia se baseia na maior franqueza.

 
 

Mas a observação se adianta, discernindo através de tudo isso percebendo as sombras envoltas em luz. Decifra a intenção, que mais parece singela. Assim é a luta da astúcia de Pitão (a gigantesca serpente aniquilada por Apolo ao pé do monte Parnarso) contra a franqueza dos penetrantes raios de Apolo.

 
 

Baltazar Gracian – A  Arte da Prudência

 

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As pessoas, em geral, se trancam em seus próprios mundos, o que as torna teimosas e difíceis de convencer. Para fazê-las sair da concha e iniciar a sua sedução, é preciso entrar no espírito delas. Por isso, o charlatão, inicialmente, joga de acordo com as regras de suas vítimas, apreciam o que elas apreciam, adaptam-se aos seus humores, ..(...).

 

Com isso eles afagam um narcisismo profundamente arraigado e derrubam as defesas que as protegem. Hipnotizadas pela imagem espelhada que ele apresenta, elas se abrem, tornando-se vulneráveis a sutil influência. Não demora muito, e ele inverte a dinâmica: depois de penetrar no espírito delas ele as faz entrar no dele, quando pode ser tarde demais para retroceder.

 

Cuidado com aqueles muito tolerante com os seus humores e caprichos, não lhes dando motivo para reagir ou resistir.

 
 

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CUIDADO  COM O SEU PONTO FRACO

 

 

A arte de influenciar a vontade dos outros envolve mais habilidade que determinação. 

 

É preciso saber qual a porta de acesso. 

 

Cada vontade tem seu foco de interesse; varia de acordo com o gosto. 

 

Todos são idólatras: uns da estima, outros do dinheiro, e a maioria do prazer. 

 

A manha consiste em identificar os ídolos capazes de motivar indivíduos. 

 

É como possuir a chave do querer alheio. 

 

É preciso atingir a motivação básica, quem nem sempre consiste em algo elevado e importante. 

 

A maioria das vezes é mesmo muito baixo, porque no mundo existem mais desodernados do que disciplinados. 

 

Primeiramente, avalie a índole; então toque no ponto fraco.

 

Tente-o com objetivo de sua afeição e infalivelmente dará xeque mate no seu arbítrio.

 

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Não há situação em que se gaste dinheiro com mais proveito do que quando se é lesado; pois de um só golpe comprou-se a prudência.

 

ARTHUR SCHOPENHAUER, 1788-1860

 

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A ovelha não saqueia, não engana, é magnificamente tola e dócil. Com a pele de ovelha nas costas, a raposa entra no galinheiro.

 

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O FLAUTISTA DE HAMELIN

 

Um sujeito alegre com sua capa vermelha e amarela, atrai as crianças de suas casas com os delicados sons de sua flauta. Encantadas, elas não percebem que já caminharam muito, que estão muito distante de suas famílias. Nem notam a caverna para onde ele acaba levando-as, e que se fecha para sempre atrás delas.

 

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Já ouviu falar de algum  general muito hábil que pretendesse surpreender uma cidadela anunciando seus planos ao inimigo? Ele oculta os seus propósitos e esconde o seu progresso; não revela a extensão dos seus objetivos até ser impossível se opor a eles, até terminar o combate. Conquiste a vitória antes de declarar a guerra. Em resumo, cuidado com aqueles guerreiros cujas intenções ninguém sabe, exceto o país destruído por onde eles passaram.

 

Ninon de Lenclos, 1623 - 1706

 

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Um tolo silencioso se passa por um sábio; um ladrão rico se  passa por um cavalheiro

 

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Uma variação da tática é usada pelos vendedores, envolve comprar o produto de alguém para depois vender o seu.

 

A esposa de um executivo resolveu trabalhar e foi ser vendedora de publicidade para um jornal local. 

 

A 1ª visita de vendas que ela fez foi a uma loja de animais onde ela comprou um aquário de 30 dólares e 15 dólares em peixes. 

 

No dia seguinte, ela voltou à loja e persuadiu o dono a comprar 600 dólares em publicidade.

 
 

ELOGIE

 

Há uma característica exibicionista em muitas perguntas, o que pode trabalhar a seu favor se você perceber que quem está fazendo a pergunta: 

 

(a) já sabe a resposta ou 

 
 

(b) está tentando marcar pontos à sua custa. Quando as pessoas fazem pergunats para claramente demonstrar esperteza - e nada além disto -  elogie-as. 

 
 

Diga:

 
 

 "Esta é uma ótima questão" ou "Você está levantando  um ponto muito importante". 

 
 

 Elas vão ficar tão ocupadas em se autoparabenizar que nem vão perceber que você mudou de assunto !

 
 
 

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Águas calmas e rasas também escondem tubarões

 

 

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[...] Há poucos dias, na corte de que falo, apareceu um camponês da região de Bergamo a fim de trabalhar para um fidalgo cortesão, o qual foi vestido com librés tão boas e arrumado com tanta elegância que, embora só estivesse acostumado a cuidar de bois e não soubesse fazer mais nada, quem não o ouvisse falar poderia toma-lo por um galante cavaleiro [...]

 

Segmento de texto extraído do livro “O Cortesão” do autor Baldessare Castiglione, 1478 – 1529

 

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É sensato ser polido; por conseguinte, é idiotice ser rude. Criar inimigos com a falta desnecessária e proposital de civilidade é insensatez tão grande quanto tocar fogo na própria casa. Porque a polidez é como uma moeda reconhecidamente falsa, e com a qual é tolice agir com avareza.

 

O homem de bom senso será generoso ao usá-la... A cera, substância naturalmente dura e quebradiça, pode se tornar macia aplicando-se um pouco de calor , adquirindo a forma que mais lhe agradar.

 

Da mesma maneira, sendo polido e gentil, você pode tornar as pessoas dóceis e servis, mesmo que tendam a ser rabugentas e malevolentes.

 

Portanto, a polidez é para a natureza humana o que o calor é para a cera.

 

Arthur  Schopenhauer, 1788 - 1860

 

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Com todos os grandes impostores existe uma ocorrência notável à qual eles devem o seu poder. No próprio ato da fraude eles são dominados pela crença em si mesmos:  é isto que vai transparecer de forma tão milagrosa e atraente para os que o cercam.

 

Friedrich Nietzsche, 1844 - 1900

 

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INTERPRETAÇÃO

 

Os inimigos costumam ser aparentes, mas e quanto às pessoas que esperam o momento propício para atacar, aparentando uma paciência incomum ao esconderem suas ambições? As pessoas que você nunca considerou oponentes? Elas, em geral, são os amigos do peito, colegas de trabalho ou até seu melhor funcionário. Como se distinguir um seguidor fiel de um oportunista? E como se neutraliza um adversário potencial? É bom que você saiba que o segredo para capturar a atenção das pessoas, enquanto se reduz a sua capacidade de raciocínio, é atingir aquilo sobre o qual elas têm menos controle: o seu ego, a sua vaidade e a sua auto-estima.

 

UM ALERTA  A MAIS NÃO FAZ MAL A NINGUÉM

 

Nós escolhemos os fatos em que queremos acreditar. Escolhemos também nossos amigos, namorado(a)s e cônjuges não apenas por causa da forma como os percebemos, mas pelo modo como eles nos percebem. Ao contrário dos fenômenos da física, na vida, os eventos com frequência podem obedecer uma teoria ou outra, mas o que acontece na verdade pode depender muito mais da teoria em que escolhemos acreditar. É um dom da mente humana estar aberta para aceitar a teoria de nós mesmos que nos impulsiona em direção à sobrevivência e até a felicidade e rejeitar as que a contraria.

 

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O ESPELHO DO CAÇADOR

 

A cotovia é um pássaro apetitoso, mas difícil de pegar. No campo, o caçador coloca um espelho num suporte. A cotovia pousa diante do espelho, dá um passo para frente, outro para trás, fascinada com a própria imagem em movimento e com a dança de acasalamento imitativa que vê representada diante de seus olhos. Hipnotizado, o pássaro perde toda a noção do que o cerca, até que a rede do caçador o prende contra o espelho.

 

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Fale com um homem sobre ele mesmo e durante horas ele o ouvirá.

Disraeli

 

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Em 1765, Casanova conheceu uma jovem condessa italiana chamada Clementina que morava com suas duas irmãs. Clementina gostava muito de ler e se interessava pouco pelos homens que enxameavam a sua volta. Casanova somou-se a esse número, adquirindo livros para lhe dar de presente, discutindo literatura com ela, mas a jovem condessa não era menos indiferente com ele do que tinha sido com os outros. Então, um dia, ele convidou a familia inteira para uma pequena viagem. Não quis dizer para onde iam. Amontoaram-se numa carruagem, o tempo todo tentando adivinhar o seu destino. Poucas horas depois, entraram em Milão - que alegria, as irmãs nunca tinham estado lá. Casanova levou-as para o seu apartamento, onde estavam expostos três vestidos - os mais magníficos que as moças já tinham visto. Havia um para cada irmã, ele lhe disse, e o verde era para Clementina. Atordoada, ela o vestiu e o seu rosto se iluminou. As surpresas não pararam por aí - havia uma refeição deliciosa, champanhe e jogos. Ao retornarem para casa, tarde da noite, Clementina estava perdidamente apaixonada por  Casanova.

 

O motivo é simples: a surpresa cria um momento em que as defesas das pessoas caem e novas emoções entram correndo. Se a surpresa é agradável, o veneno sedutor penetra em suas veias sem que percebam. Os vigaristas conhecem muito bem este poder. Qualquer coisa que acontece de repente parece natural; e qualquer coisa que parece natural tem um encanto sedutor. As pessoas costumam ser entendiadas, não só com suas próprias vidas, mas com aqueles que deveriam impedi-las de se sentirem assim.

 

Os vigaristas, mais do que ninguém, sabem que as pessoas são seduzidas sentindo que você se esforçou pensando nelas. Não é preciso trombetear aos quatro ventos, apenas deixe isso claro nos presentes que der, nas pequenas provocações, ...(...). Pequenos esforços como esses serão mais do que amplamente recompensados pela conquista do coração e da força de vontade do seduzido(a).

 

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PRESTE ATENÇÃO DETALHES

 

Inflame as emoções das pessoas com frases carregadas de energia, distribua elogios, conforte suas inseguranças, envolva-as em palavras doces e promessas e, não só elas escutarão o que você quer lhes dizer, mas perderão a vontade de resistir.

 

Faça uma experiência simples: contenha a sua vontade de dizer o que pensa. Antes de abrir a boca, pergunte a si mesmo: o que posso dizer que tenha o efeito mais agradável sobre os meus ouvintes? Com frequência isso inclui adular os seus egos, apaziguar suas inseguranças, dando-lhes vagas esperanças para o futuro, mostrando-se solidário com seus esforços ("Eu compreendo vocês" )

 

Os gestos sutis, as coisa que você faz de "improviso" são quase sempre mais charmosos e reveladores. Os vigaristas aprenderam a distrair suas vitimas com milhares de pequenos rituais agradáveis - presentes atenciosos feitos sob medida para elas, gestos que mostram o tempo e a atenção que você está lhes dedicando. Todos os sentidos das vitimas estão envolvidos nos detalhes que o vigarista orquestra.

 

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NO AMOR TAMBÉM É ASSIM..

 

(..) portanto, na minha opinião, quando um cortejador deseja declarar o seu amor, deve fazê-lo com suas atitudes e não com discursos, pois os sentimentos de um homem às vezes revelam-se mais claramente com um gesto de respeito ou uma certa timidez, do que com uma quantidade de palavras.

 

Baldassare Castiglione

 

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Por vezes, quando reflito sobre as tremendas consequências que resultam das pequenas coisas, fico tentado a pensar que não há pequenas coisas.

 

BRUCE BARTON

 

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AS NUVENS

 

nas nuvens, é difícil ver as coisas com precisão. Tudo parece vago; a imaginação dispara, enxergando coisas que não existem ali. Suas palavras devem levar as pessoas até as nuvens, onde é fácil para elas se perderem.

 

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Existe um aspecto ( pequeno detalhe ) da história que merece atenção.  O vigarista sabe que as  pessoas consideram que o homem revela o seu caráter na maneira como lida com ninharias – pois é quando ele se descontrai.

 

A lógica popular é a de que se estes defeitos se mostram nas pequenas coisas, ou simplesmente nas atitudes dele em geral, certamente também fundamentam suas ações em questões importantes, embora ele possa disfarçar isso. 

 

Aliás, de fato, esta em geral é uma boa oportunidade para observar-se o infinito egoísmo da natureza de um homem, e a sua total falta de consideração pelos outros.

 

 Esta é uma oportunidade imperdível. Se nas pequenas coisas do dia-a-dia, as ninharias da vida... um homem não tem consideração e busca apenas o que lhe é vantajoso ou conveniente, se ele se apropria do que pertence a todos igualmente em prejuízo dos direitos alheios, pode ter certeza de que no seu coração não há  justiça, e ele  seria um grandíssimo salafrário se a lei e a coerção não lhe tolhessem as mãos.

 

Entretanto, é preciso saber que os vigaristas também agem como se não fossem vigaristas para enganar suas vítimas, especialmente, nas pequenas coisas como preparativo para o do golpe  final.

 

O  Vigarista é especializado em prestar atenção a gestos e sinais inconscientes. A fraqueza  se revela em gestos aparentemente sem importância e palavras que escapam sem querer. Conversas do dia-a-dia  são uma mina riquíssima de pontos fracos, portanto treine o seu ouvido. O vigarista sempre começa parecendo sempre simpático e interessado - eles sabem que um ouvido simpático incentiva qualquer um a falar. Esse era um truque com frequência utilizado pelo estadista francês do século XIX, Talleyrand. Ele parecia disposto a se abrir com o outro, a dividir com ele um segredo; era tudo inventado e sem importância para ele que falava simulando sinceridade. Isso em  geral provoca uma reação não só tão "franca"  quanto a do vigarista mas até mais autêntica - uma reação que - infelizmente - revela uma fraqueza.

 

Lembre-se: o que é oferecido de graça, sobretudo  com insistência, é perigoso - em geral é um ardil ou tem ali uma obrigação oculta. Se tem valor, vale a pena pagar. Pagando, você se livra de problemas de gratidão e culpa. Também é prudente pagar o valor integral - com a excelência não se economiza.

 

Lembre-se: Todos tentam esconder as suas fraquezas, há pouco o que aprender com o comportamento consciente. O que vem filtrado nas pequenas coisas que fogem ao nosso controle consciente é o que o vigarista quer saber.

 

Ao dar ao patrono ( alguém acima de você ) um presente, você está basicamente dizendo que vocês dois são iguais. É o velho jogo de dar para receber. Quando o escritor renascentista Pietro Aretino teria o duque de Mântua como seu próximo patrono, ele sabia que se fosse servil o duque  não lhe daria valor; portanto, aproximou-se do duque com presentes. A aceitação dos presentes criou uma espécie de igualdade entre o duque e o escritor: o duque ficou à vontade sentindo que lidava com um homem da sua própria estampa aristocrática. E patrocinou Aretino generosamente. A estratégia do presente é sutil e brilhante porque você não implora: você pede ajuda de forma digna que sugere igualdade entre as duas pessoas.

 

Lembre-se: é você que define o seu próprio preço. Peça menos e é isso que conseguirá. Peça mais, e estará sinalizando que vale uma fortuna. Mesmo aqueles que lhe viram as costas o respeitam por sua autoconfiança, e  você nem imagina como esse respeito acabará se revelando compensador.

 

Se o que é oferecido de graça pode ser perigoso, pode ser um ardil ou ter ali uma intenção oculta de criar obrigação, então, se tem valor, vale a pena pagar. Pagando você se livra de problemas de gratidão e culpa. Também é prudente pagar o valor integral – com a excelência não se economiza. Seja pródigo com seu dinheiro e o mantenha circulando, pois a generosidade é um sinal e um imã para o PODER.

 

Tudo deve ser julgado pelo seu custo e tudo tem um preço. O que se recebe de graça, ou a preço de banana, quase sempre vem com uma etiqueta de preço psicológico – sentimentos complicados de gratidão, concessões na qualidade, a insegurança originada por essas concessões, e outras coisas mais.

 

Os poderosos aprendem desde cedo a proteger o que têm de mais precioso: independência e espaço de manobra. Pagando o preço real, eles se livram de envolvimentos arriscados e preocupações.

 

Os vigaristas, em questões de dinheiro, também conhecem o quanto vale a generosidade estratégica, o velho truque de ‘dar antes de tirar’. Presenteando de forma adequada, eles colocam a vítima em situação de devedora. A generosidade amolece as pessoas – para serem enganadas. Conquistando fama de pródigo, o vigarista ganha a admiração das pessoas sem deixar que elas percebam o interesse torpe. Esbanjando estrategicamente a riqueza, eles encantam os outros, gerando prazer e fazendo preciosos aliados.

 

O pão-duro não é atraente – quando envolvido no jogo da sedução, Casanova entregava-se totalmente, não só a si mesmo, mas também a sua carteira.  Os vigaristas sabem mais do que ninguém que o dinheiro tem uma carga psicológica e que ele também é o veículo da polidez e da sociabilidade. Eles fazem do aspecto humano do dinheiro uma arma.  Para cada um que sabe jogar com o dinheiro, milhares de outros fecham-se numa recusa suicida de usá-lo com estratégia e criatividade. Estes são o extremo oposto do poderoso e do vigarista, e você deve aprender a reconhecê-lo – seja para evitar suas naturezas venenosas ou para não ter prejuízo com a  sua inflexibilidade.

 

A vida em sociedade é uma troca, por isso é perigosa. A falsa honestidade é uma das principais armas dos charlatões  para desarmar o previdente, mas não a única. Qualquer tipo de atitude nobre, aparentemente altruísta, serve. A generosidade também é muito utilizada. Raras são as pessoas que resistem  a um presente, mesmo do inimigo mais ferrenho. Um presente desperta em nós a criança, derrubando na mesma hora as nossas defesas.

 

Apesar de olharmos com descrença o comportamento das outras pessoas, raramente vemos o elemento maquiavélico de um presente, com frequência escondendo segundas intenções. Um presente pode ser um instrumento para esconder uma grande atitude falsa.  É fundamental  aprender a analisar com sabedoria o que lhe dão e o que lhe falam.

 

Lembre-se: a chave da persuasão é amolecer as pessoas, derrubá-las gentilmente. O vigarista trabalha com as  emoções e com as fraquezas intelectuais. Eles ficam alerta tanto ao que distingue suas vítimas dos outros ( a sua psicologia individual ) quanto ao que elas dividem com todo mundo ( suas reações emocionais básicas ). Quando se mexe com as emoções das pessoas, elas perdem o controle e ficam mais vulneráveis à persuasão.

 

Um farsante se faz de bobo para a outra pessoa confiar nele e sentir-se superior. Este tipo de naturalidade artificial tem inúmeras faces e aplicações na vida diária, sobretudo quando nada é mais arriscado do que parecer mais esperto do que o outro; a pose do natural é um disfarce utilizado por muitos vigaristas.

 

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 A DELICADA ARTE DA PERSUASÃO

 

O vento do norte e o sol disputavam quem era o mais forte e concordaram que o vencedor seria aquele que conseguisse fazer um viajante se despir. O vento tentou primeiro. mas suas violentas rajadas só fizeram o homem fechar mais as suas roupas e, quando o vento soprou mais forte, o frio fez com que ele colocasse outro casaco. Finalmente o vento se cansou e deu a vez ao sol. O sol aqueceu primeiro com moderação, o que fez o homem tirar o sobretudo. Depois brilhou intensamente, até que, não suportando mais o calor, o homem se despiu e foi banhar no rio que passava ali por perto. A persuasão é mais eficaz do que a força.

 

ESOPO, SÉCULO SEXTO a.C

 

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Os aproveitadores sabem o que funciona e o que não funciona em termos de persuasão. Seu trabalho é nos convencer, e sua sobrevivência depende disso. 

 

O ritmo acelerado da vida moderna, as questões muito complexas, o tempo exíguo, as perturbações tão invasivas, a forte agitação emocional, a fadiga mental profunda e o bombardeio de informações da vida moderna não permitem a tomada de decisões 100% racionais, mesmo em assuntos pessoalmente relevantes, tornando as pessoas cada vez mais vitimas das diversas formas de persuasão.  

 

Não se consegue reconhecer e analisar todos os aspectos em cada pessoa, acontecimento e situação com que nos deparamos. Não dispomos de tempo, energia ou capacidade para tal. No lugar de uma correta análise, muitas vezes usamos estereótipos – nossas regras gerais, nossos atalhos - para classificar as coisas e as pessoas de acordo com umas poucas características-chave ( o barato é ruim; o caro é bom, etc.. )e depois passamos a reagir sem pensar quando uma ou outra dessas características desencadeadora está presente. Sem essa lógica de atalho, ficaríamos paralisados – catalogando, avaliando e aferindo – enquanto o momento de agir passaria. Sendo o assunto importante ou não, sentimo-nos compelido em tomar um atalho.

 

O segredo da eficácia dos aproveitadores está na forma como fazem uso das armas de influência que existem no ambiente social que pode ser nada mais do que uma palavra escolhida corretamente que envolva um aspecto psicológico forte, acionando um de nossos comportamentos automáticos. Os aproveitadores humanos nos ensinam como alguém pode se beneficiar de nossa tendência a reagir de modo mecânico de acordo com esses aspectos psicológicos. O conhecimento desse processo pelos aproveitadores lhes proporciona uma enorme vantagem comparativa: a capacidade de manipular sem aparentar que está manipulando.

 

Se, ao que parece, a coerência automática funciona como um escudo contra o esforço do pensamento, não surpreende que ela possa também ser explorada por aqueles que prefeririam que respondêssemos aos seus pedidos sem pensar. Para os aproveitadores, interessados em nossa reação mecânica e impensada às suas solicitações, nossa tendência à coerência automática é uma mina de ouro. Eles são tão exímios em fazer com que executemos nossas reações automáticas quando isso os favorece que é raro percebermos que fomos enganados.

 

Nossa melhor defesa contra as pressões da reciprocidade não é a rejeição sistemática a qualquer oferta inicial. Em vez disso, devemos aceitar favores ou concessões iniciais sempre que as considerarmos de boa-fé, mas temos que estar sempre prontos para redefini-las como truques, caso se revelem como tais. Uma vez redefinidos, não mais sentiremos a necessidade de responder com um favor ou uma concessão. Lembre-se de que a regra diz que favores devem ser retribuídos com favores e não que truques sejam retribuídos com favores!

 

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O BURACO DA FECHADURA

 

As pessoas constroem muros para deixar você do lado de fora; não force a passagem - só vai encontrar outros muros lá dentro. Existem portas nesses muros, portas para o coração e a mente, e elas possuem pequenas fechaduras. Espie pelo buraco da fechadura, encontre a chave que abrirá a porta e voc~e terá acesso à vontade delas sem os desagradáveis vestígios de um arrombamento

 

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A dificuldade da persuasão está em conhecer o coração do persuadido para assim adequar a ele as minhas palavras. Por essa razão, quem tentar persuadir o rei, deve observar cuidadosamente os seus sentimentos de amor e ódio, os seus desejos e temores secretos, antes de poder conquistar o seu coração.

 

HAN-FEI-TZU, FILÓSOFO CHINÊS, SÉCULO TERCEIRO a.c

 

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 Todo mundo tem um ponto fraco,uma brecha no muro do castelo. essa fraqueza em geral é uma insegurança, uma emoção ou necessidade incontrolável; pode também ser um pequeno prazer secreto. Seja como for, uma vez encontrado pelo salafrário esse ponto fraco, é ali que você será atacado.

 

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Todos  têm segredos guardados, pensamentos que  não revelam; Existe  em algum lugar, um ponto frágil na cabeça, no coração, na barriga para que eles venham à tona. Uma vez encontrado pelo "salafrário", é ali que ele colocará o dedo e apertará.

 

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Descubra o ponto fraco de cada homem. Esta é a arte de colocar em ação a vontade deles. É preciso mais habilidade do que resolução. Você precisa saber onde tocar. Cada vontade tem um motivo especial que varia de acordo com o gosto. Todos os homens são idólatras, alguns da fama, outros do interesse próprio, a maioria do prazer. Sabendo a origem principal dos motivos de um homem, você tem a chave para a vontade dele ( ou ele da sua !!!).

 

Baltasar Gracián, 1601 - 1658

 

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O indivíduo educado é aquele que aprendeu a conseguir o que lhe é necessário sem violar os direitos alheios. A educação vem de dentro. Consegue-se com empenho, esforço e propósito.

 

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O Ladrão e o Cão de guarda

 

Um Ladrão foi arrombar uma casa à noite. Ele trouxe consigo várias fatias de carne que poderiam pacificar o cão de guarda, de forma que seu dono não deveria se alarmar com os latidos. Como o ladrão lhe lançou os pedaços de carne, o cachorro disse: "Se você pensa calar minha boca, relaxando minha vigilância, ou até mesmo, para ganhar minha consideração por estes presentes, você está grandemente equivocado. Tal bondade súbita de suas mãos só me fará mais alerta, para que eu não caia na farsa destes favores inesperados, pois você teria outros propósitos para realizar em seu próprio benefício e para o prejuízo de meu dono. Além disto, esta não é a hora que eu normalmente sou alimentado, o que me faz suspeitar ainda mais de suas intenções".

 

Moral:

 

"É necessário vigilância para com as “cortesias”  alheias, pois elas podem não ser honestas."

A moral deste conto diz bem o quanto é valioso desconfiar de súbitas cortesias.

Parece um filme diário visto por todos, não é mesmo?

 

O Lobo e o Cavalo

 

Um Lobo saindo de um campo de aveia conheceu um Cavalo e assim falou: “Eu lhe aconselharia que entrasse naquele campo. Está cheio de aveia, e convém dizer que eu saí deixando-o intato para você, como amigo e ouvir seus dentes mastigando, será um prazer".

 

Eis que o Cavalo respondeu:

 

“Se aveia fosse comida para os lobos, você nunca favoreceria suas orelhas à custa de sua barriga".

 

Moral:

 

"Cuidado com as ‘boas ações’ de homens de má e "boa" reputação."

A fábula mostra a ardilosidade do malfeitor  quando objetiva seu intento egoísta. Esta imagem deve ser transferida para a realidade, com os atores que convivem, muitas vezes, ao nosso lado.

 

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Existe um provérbio no Japão que diz:

 

"Tada yori takai mono wa nai" , ou seja: "Nada custa mais caro do que aquilo que é dado de graça".

 

THE UNSPOKEN WAY. MICHIRIRO MATSUMOTO, 1988

 

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SOBRE A POLIDEZ

 

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O ESCUDO DE PERSEU

 

polido até ficar como um espelho, a medusa não vê você, só o reflexo dela, horrendo. Escondido atrás de um espelho você engana, ridiculariza e enfurece. De um só golpe você corta a cabeça da Medusa desatenta.

 

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A polidez é a mais pobre das virtudes, a mais superficial, a mais discutível. A polidez faz pouco caso da moral, e a moral da polidez. Um nazista polido em que altera o nazismo ? Em que altera o horror? Em nada, é claro, e a polidez está bem caracterizada por esse nada. Virtude puramente formal, virtude de etiqueta, virtude de aparato ! A aparência de uma virtude nada mais é do que uma aparência.

 

A polidez é um valor ambíguo, em si insuficiente porque pode encobrir tanto o melhor como o pior, e, como tal, quase suspeito. esse trabalho sobre a forma de agir deve ocultar alguma coisa, mas o quê ? É um artifício e desconfiamos de artifícios. É um enfeite e desconfiamos dos enfeites. Diderot evoca em algum lugar a "polidez insultante" dos grandes  e a obsequiosa ou servil dos pequenos. Seriam preferíveis o desprezo sem frases e a obediência sem mesuras, ambas escondem a falsidade do sentimento oposto ao aparente.

 

Há pior. Um canalha polido não é menos ignóbil que outro não polido, talvez seja até muito mais. O canalha polido pode facilmente ser cínico e sem por isso faltar  nem com a polidez nem com a maldade. Mas então porque ele choca? Pelo contraste, sem dúvida. Mas não há contraste entre a aparência de uma virtude e sua ausência ( o que seria a hipocrisia), pois o canalha, nesta hipótese, é efetivamente polido - de resto, quem o parece o é suficientemente. O contraste, considerado isoladamente, é mais estético do que moral; ele  explicaria mais a surpresa do que o horror, mais o espanto do que a reprovação.

 

A isso se acrescenta o seguinte de ordem ética: a polidez torna o mau mais odiável porque denota nele uma educação sem a qual sua maldade, de certa forma, seria desculpável.  O canalha polido é o contrário de uma fera, e ninguém quer mal às feras. É o contrário de um selvagem, e os selvagens são desculpados. É o contrário de um burro crasso, grosseiro, inculto, que decerto é assustador, mas cuja violência nativa e bitolada pelo menos poderia ser explicada pela falta de cultura. O canalha polido não é uma fera, não é um selvagem, não é um bruto; ao contrário, é civilizado, educado, bem-criado e, com isso, dir-se-ia, não tem desculpa. Quem pode saber se o grosseirão agressivo é mau ou simplesmente mal-educado? No caso do torturador seleto, ao contrário, não há dúvida.  Como o sangue se vê melhor nas luvas brancas, o horror se mostra melhor quando é cortês. A um ser grosseiro, podemos acusar o seu lado animal, a ignorância, a falta de cultura, pôr a culpa numa infância devastada ou no fracasso de uma sociedade. Um ser polido não. A polidez é, nesse sentido, como que uma circunstância agravante, que acusa diretamente o homem, o povo ou o indivíduo, e a sociedade, não em seus fracassos, que poderiam servir de desculpa, mas em seus sucessos. Diante da polidez, o importante antes de tudo é não se deixar enganar. A polidez não é uma virtude, e não poderia fazer as vezes de nenhuma.

 

Por que dizer então que ela é a primeira, e talvez a origem de todas as virtudes ? É menos contraditório do que parece. A origem das virtudes não poderia ser uma ( pois, nesse caso, esta mesma suporia um origem e origem não poderia ser ), e talvez seja próprio da essência das virtudes a primeira delas não ser virtuosa.

 

Por que a primeira ? Segundo a ordem do tempo e do desenvolvimento do indivíduo, o recém-nascido não tem moral, nem poderia ter. Tampouco o bebê e, por um bom tempo, a criança. O que esta descobre, em compensação, e bem cedo, são as proibições. "Não faça isso: é sujo, é ruim, é feio, é maldade, é perigoso..." e a criança passa a diferenciar entre o que é mau ( o erro ) e o que faz mal ( o perigo ). O erro é o mal propriamente jumano, o mal sem perigo imediato ou intrínseco. Por que proibi-lo ? O fato precede o Direito, há o que é permitido e o que é proibido, o que faz e o que não se faz. Bem? Mal? A regra basta, ela precede o julgamento e o fundamenta.  A  distinção entre o que é ético e o que é feio só virá mais tarde, e progressivamente. Portanto, a polidez é anterior à moral ou, antes, a moral a princípio é apenas polidez: submissão ao uso, à regra instituída, ao jogo normatizado das aparências - submissão ao mundo e às maneiras do mundo.

 

O homem só pode tornar-se homem pela educação. Ele é apenas o que a educação faz dele, e é a disciplina que primeiro transforma a animalidade em humanidade. Não se poderia dizer melhor: o uso é anterior ao valor, a obediência ao respeito, e a imitação ao dever. A polidez, por conseguinte ( isso não se faz ) é anterior à moral ( isso não se deve fazer ) a qual só se constituirá pouco a pouco, como uma polidez interiorizada, livre de aparências e de interesses, toda concentrada na intenção.

 

Como a moral emergiria se a polidez não fosse dada primeiro? As boas maneiras precedem as boas ações e levam a estas. A moral é como uma polidez da alma, um saber viver de si para consigo ( ainda que se trate, sobretudo, do outro ), uma etiqueta da vida interior, um código de nossos deveres, um cerimonial do essencial.

 

Inversamente, a polidez é como uma moral do corpo, uma ética do comportamento, um código da vida socialç, um cerimonial do essencial. Como diz Kant: "Moeda de papel mas que é melhor do que nada e que seria tão louco suprimir quanto tomar por ouro verdadeiro,  uns trocados que não passam de aparência de virtude, mas que a tornam amável. E que criança se tornaria virtuosa sem essa aparência e essa amabilidade?  A moral começa no ponto mais baixo - pela polidez , e de algum modo tem de começar.

 

Nenhuma virtude é natural, logo é preciso tornar-se virtuoso. E é praticando-as que aprendemos. praticando as ações moderadas que nos tornamos moderados, praticando as ações justas que seremos justos, ..., e, inicialmente, isso se dá por uma coerção externa, é assim que uma geração educa outra. O que é essa disciplina na família, senão, antes de tudo, o respeito dos usos e das boas maneiras ? Disciplina não de polícia, mas de polidez. É por ela que, imitando as maneiras da virtude, talvez tenhamos uma oportunidade de virmos a ser virtuosos.

 

A polidez nem sempre inspira a bondade, a equidade, a complacência, a gratidão; pelo menos dá uma aparência disso e faz o homem parecer por fora como deveria ser por dentro. Por isso ela é insuficiente no adulto e necessária na criança. É apenas um começo. Dizer "por favor" ou "desculpe" é simular respeito; dizer "obrigado" é simular reconhecimento. É aí que começam o respeito e o reconhecimento. Como a natureza imita a arte, assim a moral imita a polidez, que a imita.

 

A moral é, em primeiro lugar, um artifício, depois um artefato. É imitando a virtude que nos tornamos virtuosos. A polidez é anterior a moral, e a permite. Trata-se, primeiro, de assumir "os modos do bem", não para contentar-se com eles, mas para alcançar, por meio deles o que eles imitam - a virtude - e que só advém imitando-os. Dizia ainda Kant: "A aparência do bem nos outros não é desprovida de valor para nós: desse jogo de dissimulações que suscita o respeito sem talvez merecê-lo pode nascer a seriedade", sem a qual a moral não poderia se transmitir nem se constituir em cada um.  Aristóteles dizia: "As disposições morais provêm de atos que lhes são semelhantes" . A polidez é essa aparência de virtude de que as virtudes provêm. Portanto, a polidez salva a moral do círculo vicioso ( sem a polidez seria necessário ser virtuoso para poder tornar-se virtuoso ) criando as condições necessárias para seu surgimento e, mesmo em parte, para seu pleno desenvolvimento.

 

Entre um homem perfeitamente polido e um simplesmente benevolente, respeitador, modesto,... as diferenças são ínfimas: a verdade é igual à sua imitação. Mas, a imitação pode levar pouco a pouco à verdadeira moral. Todos os pais sabem disso e é o que chamam educar seus filhos.

 

A polidez por si só não é moralmente nada, é uma pequena coisa que serve para preparar grandes coisas, no entanto, o fato de ser bem-educado, na linguagem popular, é antes de tudo ser polido, o que já diz muito sobre a polidez !!!! Um grosseirão generoso sempre será melhor do que um egoista polido; um homem honesto descortês melhor do que um crápula refinado. A polidez é uma ginástica de expressão, ela pertence ao corpo e o que prevalece é o coração ou a alma. Inclusive, há pessoas em que a polidez incomoda. Quem nunca ouviu a expressão: "Polido demais para ser honesto", pois a honestidade às vezes impõe ser desagradável, chocar, trombar.  A polidez se levada por demais a sério, é o contrário da autenticidade. Os "certinhos" são como crianças grandes bem-comportadas demais, prisioneiras das regras, enganadas quanto aos usos e às conveniências. É melhor ser honesto demais para ser polido do que polido demais para ser honesto.

 

A polidez por si só é um ritual, sem Deus;  um cerimonial, mas sem culto; uma etiqueta, sem monarca. Forma vazia, que só vale por esse próprio vazio. Uma polidez cheia de si, uma polidez que se leva a sério, que crê em si é uma polidez iludida por suas maneiras e que falta, por isso, às regras que ela mesma prescreve. Não é uma virtude, mas sim apenas uma qualidade formal. Considerada em si é irrisória, secundária, quase insignificante: ao lado da virtude ou da inteligência é como que nada. Mas o homem também é quase um animal. No entanto, que os seres inteligentes e virtuosos não sejam dispensados dela, é mais do que claro.

 

Texto adaptado do livro “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” do autor André Comte-Sponville

 

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Lorenzo de Medici, não perdia oportunidade de aumentar o respeito que o papa Inocêncio agora sentia por ele e de conquistar a sua amizade, se possível seu afeto. ele tinha o trabalho de descobrir os gostos do Papa e os satisfazia apropriadamente. Ele lhe enviou garrafas de seu vinho preferido. Ele lhe enviara cartas corteses, enaltecedoras, nas quais lhe garantia, quando o papa estava doente, sentir as suas dores como se fossem as suas, encorajando-o com frases estimulantes como " um papa é o que ele quer ser", e nas quais, como se por acaso, ele incluía  suas opiniões sobre o curso adequado da política papal. Inocêncio se sentia gratificado com as atenções de Lorenzo, e convencido com seus argumentos... Ele compartilhava de tal forma suas opiniões que, segundo o desgostoso embaixador de Ferrara, "o papa dorme com os olhos do Magnífico Lorenzo."

 

THE HOUSE OF MEDICI: ITS RISE AND FALL,  CRHISTOPHER HIBBERT, 1980

 

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[...] Embora existam muitos que têm plena consciência de praticar o mal e continuam a fazê-lo; e isso porque apreciam mais o prazer que sentem do que o castigo que receiam poder receber algum dia; como os ladrões, os homicidas e assemelhados, se o bem e o mal fossem sempre bem conhecidos e entendidos, a maioria escolheria sempre o bem e evitaria o mal. Por isso, a virtude pode ser considerada quase sempre uma prudência, um saber, uma escolha do bem, e o vício, uma imprudência e uma ignorância que induz a julgar falsamente; porque comumente os homens  escolhem o mal por engano, por uma certa semelhança com o bem.  O verdadeiro prazer é sempre bom e a verdadeira dor, má; Comumente se engana tomando o falso prazer pelo verdadeiro e a verdadeira dor pela falsa, em consequência, muitas vezes, pelos falsos prazeres incorrem nos verdadeiros desprazeres. Assim, aquela arte que ensina a discernir essa verdade do falso também pode ser aprendida; e a virtude, através da qual escolhemos aquilo que é de fato bom, não aquilo que falsamente parece que o é, se pode chamar de verdadeira ciência e é mais favorável à vida humana que qualquer outra, porque elimina a ignorância, da qual, conforme disse, nascem todos os males.

 

Do livro “O Cortesão”, do autor Baldessare Castiglione, 1478 – 1529, com adaptações

 

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Link para uma palestra sobre pessoas  cínicas e dissimuladas

https://www.youtube.com/watch?v=VyKy0X5UvvE

 

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"Aja de forma que você possa lembrar o  passado com gratidão, alegrar-se com o presente e encarar o futuro sem medo”

 

Epicuro

 

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