AS MUDANÇAS E OS HÁBITOS
Teoricamente, todos sabem que é preciso mudar, mas na prática as pessoas são criaturas de hábitos.
Para muitos, muita inovação é traumático e conduz à rebeldia.
Às vezes para mudar-se algo, é preciso mostrar explicitamente respeito a maneira antiga de fazer as coisas, fazendo-a parecer uma suave melhoria do passado.
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DE ONDE VEM O NATAL
Comemorar a virada do ano é um costume antigo. Os romanos celebravam a Saturnália, o festival de Saturno, deus da colheita, entre os dias 17 e 23 de dezembro. Era a festa mais animada do ano. Ninguém trabalhava e o comércio fechava, as ruas se enchiam de gente e o clima era de carnaval. Os escravos eram temporariamente libertados, e as casas decoradas com ramos de louro. As pessoas se visitavam, levando de presente velas de cera e pequenas esculturas de barro.
Muito antes do nascimento de Jesus, os judeus comemoravam durante oito dias o Festival das Luzes [ na mesma estação ], e acredita-se que os povos germânicos faziam um grande festival não só no verão mas também no solstício de inverno, quando comemoravam o renascimento do sol e homenageavam os grandes deuses da fertilidade, Wotan e Freyja, Donar (Thor ) e Freyr. Mesmo depois que o imperador Constantino ( 306-337 d.C ) declarou o cristianismo como a religião oficial do império romano, a evocação da luz e da fertilidade como um componente importante das comemorações pré-cristães do inverno não puderam ser totalmente suprimidas.
No ano de 274, o imperador romano Aureliano (214-275 d.C) tinha estabelecido um culto oficial ao deus-sol Mitras, declarando a data do seu nascimento, 25 de dezembro, feriado nacional. O culto a Mitras, o deus ariano da luz, havia espalhado desde a Pérsia pela Ásia Menor até a Grécia, a Roma, chegando às terras germânicas e à Bretanha.
Inúmeras ruínas dos seus santuários ainda testemunham a alta consideração com que este deus era tido, especialmente por parte das legiões romanas, como portador da fertilidade, da paz e da vitória. Portanto, foi uma atitude inteligente quando, no ano 354 d.C, a Igreja cristã sob o papa Liberius ( 352-366) cooptou o nascimento de Mitras e declarou o dia 25 de dezembro como a data de nascimento de Jesus Cristo.
ANNE SUSANNE RISCHKE, 25/12/1983
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Para Maquiavel, o profeta que prega e traz mudanças só sobrevive pegando em armas.
Dizia ele: quando as massas inevitavelmente suspirarem pelo passado, ele deve estar pronto para usar a força.
Mas o profeta armado não dura muito se não criar rapidamente um novo conjunto de valores e rituais para substituir os
antigos, e aplacar as ansiedades daqueles que temem a mudança.
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Considere que não há nada mais difícil, nem de sucesso mais duvidoso, nem mais arriscado, do que iniciar uma nova ordem de coisas.
Nicolau Maquiavel, 1469-1527
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Quem deseja ou tenta reformar o governo de um estado e quer vê-lo aceito, deve pelo menos manter a semelhança com as formas antigas; de tal maneira que pareça às pessoas não ter havido mudança nas instituições, ainda que, de fato, elas tenham mudado totalmente. Pois a humanidade, na sua grande maioria, satisfaz-se com as aparências como se fossem realidade
Nicolau Maquiavel, 1469-1527
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Jamais subestime o conservadorismo oculto do ambiente em que você vive. Ele é forte e entranhado. Jamais permita que uma idéia sedutora embote a sua razão: assim como você não pode fazer as pessoas enxergarem o mundo da sua maneira, não pode arrastá-las para um futuro com mudanças dolorosas. Elas se rebelarão. Se a reforma é necessária, preveja as reações e descubra como disfarçar a mudança e adoçar o veneno.
É muito mais fácil, e menos sanguinário, aplicar uma espécie de conto-do-vigário. Os romanos usaram esse artifício quando transformaram a sua monarquia em república. Eles instalaram dois cônsules no lugar de um rei, mas como o rei tinha sido atendido por doze litores, eles mantiveram o mesmo número para servir aos cônsules. Todos os anos o rei executava pessoalmente um sacrifício, num grande espetáculo que agitava o público; a república manteve a prática, só que a transferiu para um 'chefe de cerimônia' a quem chamavam de Rei do sacrifício especial. Estes e outros gestos semelhantes satisfaziam o povo e impediam que, em época de crise, ele exigisse a volta da monarquia.
Nenhum povo tem uma ligação mais profunda com o passado do que os chineses. Reinando do ano 8 ao 23 d.C., o imperador chinês Wang Mang veio de um período de grande turbulência histórica em que o povo ansiava por ordem, uma ordem representada para eles por Confúncio. Uns duzentos anos, antes, entretanto, o imperador Ch'in havia mandado queimar os escritos de Confúncio. Alguns anos depois, espalhou-se a notícia de que alguns textos haviam milagrosamente sobrevivido, escondidos na casa de um erudito. Talvez não fossem autênticos, mas foram a oportunidade de Wang: primeiro ele os confiscou, depois mandou seus escribas inserirem passagens que pareciam apoiar as mudanças que ele vinha impondo ao país. Quando ele os divulgou, ficou parecendo que Confúncio aprovava as reformas de Wang, e o povo se sentiu melhor e aceitou mais facilmente.
A lição é simples: o passado é poderoso. o que aconteceu antes parece maior, o hábito e a história dão maior peso a qualquer ato. Quando você destrói o que é familiar, cria um vazio ou vácuo e as pessoas teme o caos que virá para preenchê-lo. Esses temores devem ser evitados, tomando-se emprestado o peso e a legitimidade do passado, embora remoto, para criar um presente confortável e familiar. Isto cria associações românticas as ações e encobre a natureza das mudanças que estão ocorrendo.
O GATO
Criatura de hábitos, adora o conforto do que é familiar. Altere as suas rotinas, perturbe o seu espaço e ele ficará intratável e psicótico. Acalme-o respeitando os seus rituais. Se a mudança for necessária, engane-o mantendo vivo o cheiro do passado; coloque objetos com que ele está familiarizado em locais estratégicos.
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Compreenda: o fato de o passado estar morto e enterrado não impede a liberdade de reinterpretá-lo. O passado é um defunto para ser usado como você achar melhor. Exceto se o que aconteceu no passado foi doloroso e sombrio, será autodestrutivo associar-se a ele.
Quando Napoleão assumiu o poder, todos ainda tinham fresca na memória a lembrança da Revolução Francesa. Se a corte que ele estabeleceu tivesse alguma semelhança com o luxo da corte de Luis XVI e Maria Antonieta, seus cortesãos passariam o tempo preocupando-se com os próprios pescoços. Em vez disso, a corte de Napoleão foi notável por sua sobriedade e falta de ostentação. Era a corte de um homem que valorizava o trabalho e as virtudes militares. Esta nova forma parecia apropriada e tranquila.
Em outras palavras, preste atenção à época. Mas compreenda: se você fizer uma mudança ousada, deve evitar a todo custo a aparência de vácuo, ou criará o terror. Mesmo uma feia história recente parecerá preferível ao espaço vazio. Preencha esse espaço imediatamente com novos rituais e formas, tranquilizando e tornando as coisas familiares.
A psicologia humana contém muitas dualidades, e uma é que as pessoas, mesmo compreendendo a necessidade de mudar, sabendo como é importante que instituições e indivíduos se renovem de vez em quando, ficam irritadas e aborrecidas quando isso as afeta pessoalmente. Sabem que a mudança é necessária, e que a novidade alivia o tédio, mas no íntimo preferem o passado. Mudar teórica ou superficialmente eles querem, mas a mudança que revira hábitos e rotinas essenciais é profundamente perturbadora.
Nenhuma revolução aconteceu sem uma forte reação posterior porque, a longo prazo, o vazio que ela cria se torna desconfortável demais para o animal humano que, inconscientemente, o associa à morte a ao caos. A oportunidade de mudança e renovação seduz as pessoas a tomarem o partido da revolução, mas quando passa o entusiasmo - e ele vai passar - elas sentem um certo vazio, tornam-se saudosas do passado e abrem uma brecha para que ele volte furtivamente.
O homem que inicia grandes reformas com frequência vira bode expiatório de todas as insatisfações alheias. Galileu pagou caro pela sua ousadia. E a reação às suas reformas pode consumi-lo porque as mudanças perturbam o mundo animal, mesmo quando são para o seu bem. Como o mundo é, e sempre foi, cheio de inseguranças e ameaças, nós nos agarramos a rostos familiares e criamos hábitos e rituais para torná-lo mais confortável. As mudanças podem ser agradáveis a até desejáveis e necessárias, teoricamente, mas se exageradas geram uma ansiedade que provoca um tumulto interno que acaba vindo à tona.
A ciência clama por uma busca da verdade que supostamente a salvaria do conservadorismo e da irracionalidade do hábito.: é uma cultura da inovação. Mas, ao publicar suas idéias revolucionistas, Charles Darwin enfrentou uma oposição mais violenta por parte de seus colegas cientistas do que mesmo das autoridades religiosas. Suas teorias desafiavam muitas idéias fixas a longo tempo. Jonas Salk esbarrou na mesma parede com suas inovações radicais na área da imunologia, como aconteceu também com Max Planck ao revolucionar a física. Planck mais tarde escreveu sobre a oposição científica que enfrentou: "Uma nova verdade científica não triunfa porque esclarece e convence os seus adversários, mas porque esses adversários acabam morrendo e uma nova geração surge já acostumada com ela."
As artes, a moda e a tecnologia parecem áreas em que o poder se originaria de uma aparência avançada com ruptura radical com o passado. Na verdade, é inevitável que toda inovação acabe ultrapassada por outra. Tem-se pouco controle sobre isso. Alguém sempre fará a sua ousada novidade de ontem parecer cansativa e tímida hoje. Você estará sempre correndo atrás; o seu poder é tênue e efêmero. Usando o passado, remontando as tradições, jogando com as convenções você dará às suas criações algo mais do que um encanto momentâneo. Períodos de mudanças estonteantes disfarçam o um anseio pelo retorno ao passado. Afinal, aproveitar o passado no que ele pode servir aos seus interesses pessoais vai lhe dar mais vantagem do que tentar eliminá-lo totalmente – que seria um empreendimento fútil e autodestrutivo.
O INVERSO
A corte da França no fim do século XVIII, exemplificada por Maria Antonieta, estava tão irremediavelmente presa a formalidades rígidas que no conceito do francês médio, ela era um relíquia absurda. Esta depreciação de uma instituição com séculos de existência foi o primeiro indício de uma doença terminal, pois representava um afrouxamento simbólico dos vínculos do povo com a monarquia. À medida que a situação ia piorando, Maria Antonieta e o rei Luis XVI se apegavam cada vez mais rigidamente ao passado - o que apressou o seu caminho para a guilhotina. O rei Carlos I, da Inglaterra, reagiu similarmente à onda de mudanças democráticas que fervilhava na Inglaterra na década de 1630: ele dispersou o Parlamento e os seus rituais da corte foram ficando cada vez mais formais e distantes. Ele queria retornar a um estilo mais antigo de governo, adotando todos os tipos de protocolos fúteis. sua rigidez só acentuava o desejo de mudança. Em breve, é claro, ele foi arrastado a uma guerra civil devastadora e acabou literalmente perdendo a cabeça.
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As leis que governam as circunstâncias são abolidas por novas circunstâncias
Napoleão Bonaparte
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Isto significa que você tem de avaliar cada nova situação.
Confie demais nas idéias dos outros e acabará assumindo uma forma que não é sua.
O respeito excessivo pela sabedoria alheia - sem a reflexão própria - poderá fazer você desvalorizar a sua própria sabedoria.
Lembre-se de aproveitar o bom passado no que ele pode servir aos seus interesses pessoais vai lhe dar mais vantagem do que tentar eliminá-lo totalmente – que seria um empreendimento fútil e autodestrutivo - porém, agarrar-se ao passado inútil pode lhe ser igualmente destrutivo.
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A LEBRE E A ÁRVORE
O sábio não procura imitar os passos dos antigos nem estabelecer padrões fixos que sejam eternos, mas examina o que é da sua época e aí então, prepara-se para lidar com isso.
Havia em Sung um homem que lavrava um campo onde se erguia o tronco de uma árvore.
Certa vez uma lebre, correndo veloz, esbarrou no tronco, quebrou o pescoço e morreu.
O homem então largou o arado e ficou observando a árvore, esperando conseguir uma outra lebre, mas não conseguiu nunca outra lebre e foi alvo dos risos do povo de Sung.
Ora, supondo que alguém quisesse governar o povo na era atual com as políticas dos primeiros reis, estaria agindo exatamente como o homem que ficou observando a árvore.
HAN-FEI-TZU. FILÓSOFO CHINÊS, SÉCULO 3 a.C
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O GENERAL ROMMEL
Superou Patton em inteligência criativa... Rommel evitava o formalismo militar. Não tinha planos fixos além dos pretendidos para o combate inicial; a partir daí, ele montava suas táticas para enfrentar as situações específicas conforme elas iam surgindo. era rápido como um relâmpago na hora de decidir, mantendo-se fisicamente no mesmo ritmo da sua atividade mental. Num mar de areia ameaçador, ele esperava num ambiente livre. Depois de romper as linhas britânicas na África, toda a parte norte do continente se abriu para ele. Comparativamente livre da autoridade incapacitante de Berlim, desrespeitando ordens até do próprio Hitler ocasionalmente, Rommel implementou uma operação vitoriosa após outra até ter quase todo o norte da África sob o seu controle e o Cairo tremendo aos seus pés.
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O objetivo da formação de um exército é chegar à informidade. A vitória nas guerras não é repetitiva, mas adapta a sua forma infinitamente... Uma força militar não tem formação constante, a água não tem forma constante: à habilidade de obter a vitória mudando e se adaptando segundo o adversário chama-se gênio.
SUN TZU, SÉCULO IV a.C
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MERCÚRIO
O mensageiro alado, deus do comércio, padroeiro dos ladrões, dos jogadores, e de todos aqueles que iludem com a velocidade. No mesmo dia em que nasceu, Mercúrio inventou a lira; à noite já tinha roubado o gado de Apolo. Ele percorria veloz o mundo, assumindo a forma que desejasse. Como o metal líquido do qual recebeu o nome, ele personifica o esquivo, o impalpável - o poder da informidade.
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O CARANGUEJO
Num mundo hostil, o caranguejo sobrevive pela dureza da sua casca, pela ameaça de suas pinças, e pelo seu esconderijo na areia. Ninguém ousa chegar perto. Mas o caranguejo não pode surpreender o seu inimigo e tem pouca mobilidade.
Sua força defensiva é a sua suprema limitação.
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Texto compilado de livro dos autores Robert Greene e Joost Elffers